Medidas protetivas concedidas a mulheres no RN aumentam 18% em 2019

As medidas protetivas concedidas a mulheres pela Justiça do Rio Grande do Norte tiveram um aumento de 18,3% de janeiro a julho de 2019 em comparação ao mesmo período do ano passado no estado.

Até julho de 2019, o Tribunal de Justiça do RN concedeu, ao todo, 1.790 medidas protetivas, considerando todos os municípios potiguares. Em 2018, o número foi de 1.513 – o que representa 277 a menos.

O aumento no número de decisões judiciais neste ano é ainda maior em relação aos primeiros sete meses de 2017, ano em que foram concedidas 1.358 medidas protetivas. Em comparação a este ano, o crescimento foi de 31, 8%.

“Crescimento de medidas é positivo”, avalia promotora

O crescimento no número de medidas protetivas concedidas a mulheres é visto como positivo pela promotora de Defesa da Mulher do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Érica Canuto, que também é coordenadora do Núcleo de Apoio à Mulher Vítima da Violência Doméstica e Familiar (Namvid) do órgão. Para ela, esse aumento indica que as mulheres têm buscado mais esse recurso judicial e não necessariamente que a violência contra elas tenha aumentado.

“Eu vejo como muito positivo. A gente não pode dizer se a violência aumentou ou não em razão do número de processos. Porque há mulheres que sofrem violência e não denunciam. A gente sabe que é subnotificado. Sempre foi e sempre vai ser”, explica. “Uma coisa é denunciar, outra coisa é pedir medida protetiva. Então, quando aumenta o número de medidas protetivas, eu entendo como um dado muitíssimo positivo, porque aquelas mulheres, se não chegassem à Justiça, nós nunca saberíamos que elas estavam em situação de risco”, reforça.

A promotora reforça que atualmente a medida protetiva é a forma mais efetiva de proteger a mulher da violência doméstica. “Ela é a solução mais efetiva. Eu acredito na medida protetiva. Eu acredito que a lei andou muito bem quando escolheu que o seu centro é a proteção da mulher e não a punição do homem. O homem também vai ser responsabilizado pelo ato dele. Mas o principal da lei é a mulher ser protegida”, aponta.

O crescimento no número de medidas protetivas concedidas, como apontam os dados do TJRN, é uma tendência, acredita a promotora. Ainda assim, o número é subnotificado, segundo ela. Érica Canuto destaca que é preciso compreender essas razões. “Eu não critico uma mulher porque ela não denuncia. O que se deve fazer é abrir cada vez mais os canais. Eu acho muito importante cada vez mais a mulher ouvir, ler, ir se informando. Ela vai cada vez mais abrindo os canais de possibilidades pra fazer uma denúncia, pedir a medida”, diz.

A medida protetiva pode ser solicitada pela própria mulher, pelo advogado ou por órgãos como o Ministério Público e Polícia Civil. E o documento tem saído cada vez mais rápido. “A medida protetiva hoje sai no mesmo dia. A lei dá até 48 horas. Hoje se você for na promotoria, hoje o juiz já está te dando a proteção”, garante a promotora Érica Canuto.

A promotora explica que a medida protetiva funciona como uma ordem de distanciamento. “É uma ordem judicial de afastamento, de não fazer contato, de não ir no local que ela frequenta, não ir na rua da mãe dela, não ir no colégio que ela estuda, de não ir na academia que ela frequenta ou na padaria. De não ir nos lugares que ela frequenta. Porque, se esse alguém que ameaça conhece a rotina dela, isso é pior. É uma ordem judicial de afastamento, de restrição de uso de armas, de não visitar filhos”, explica.

Em caso de descumprimento da medida protetiva, a promotora garante: “Ele será preso”. “A desobediência a essa ordem judicial, a essa medida, dá prisão”, reforça. “Quando você diz que aumentou o número de medidas, eu digo que aumentou o número de mulheres que foram protegidas”.

No início do mês, o policial militar Hermano Simplício Mangabeira de Araújo, de 34 anos, descumpriu uma medida protetiva e fez o filho de 6 anos de refém por cerca de quatro horas. Ele foi preso e denunciado pela Polícia Civil em nove crimes, entre eles o descumprimento da medida protetiva que o impedia de se aproximar da ex-companheira.

Guardiã Maria da Penha

Atualmente o Ministério Público do Rio Grande do Norte mantém dois projetos que visam a proteção das mulheres em situação de risco de violência doméstica: o Guardiã Maria da Penha e o Grupo Reflexivo de Homens, que estão inseridos no Núcleo de Apoio à Mulher Vítima da Violência Doméstica e Familiar.

O Guardiã Maria da Penha reúne semanalmente mulheres vítimas de violência doméstica que recebem medidas protetivas. “Elas são chamadas para esclarecimentos e fazemos uma conversa. Perguntamos se ela sabe o que é uma medida protetiva, mostramos que não é um papel na mão, é uma ordem de proteção. Explicamos pra ela, pra ela entender como funciona, o que é um descumprimento, onde ela deve buscar auxílio, os lugares, endereços. Então ela sai daqui sabendo todos os direitos dela”, explica a promotora de Defesa da Mulher, Érica Canuto.

A ideia é elucidar as principais dúvidas e fazer as mulheres entenderem os direitos, inclusive sobre a rigorosidade da medida protetiva. “Se ele (o agressor) for preso, ela tem que saber. Se ele for solto, ela tem o direito de saber. Ela tem direito a um tratamento, encaminhamento psicológico. E fazemos uma avaliação do risco dela, de forma individual, se o homem usa arma, se já praticou algum tipo de violência contra ela, se toma algum tipo de remédio. São alguns fatores que a gente avalia”, reforça.

As reuniões são abertas também a outras mulheres que não possuem medidas protetivas e querem se informar. “É importante que elas venham, mesmo que não queiram denunciar. Se está percebendo o risco que está correndo, a gente vai conversando. Alertamos sobre isso, os que os dados mostram. Mostramos o que significa do que ela está passando, informamos os tipos de violência, os crimes que ela possa ter sofrido, que podem gerar consequências, vários problemas de saúde pra ela em razão disso. E de certa forma empoderamos aquela mulher. O mais importante é ela sair da violência. Muitas vezes nem sempre sair da violência é sair do relacionamento”, diz.

O Guardiã Maria da Penha existe desde 2016 e em agosto deste ano foi premiado nacionalmente com o segundo lugar na categoria Redução de Criminalidade durante o 10º Congresso Brasileiro de Gestão do Ministério Público. Ao todo, 1.033 projetos de todo o país foram inscritos. O projeto atua em Natal e em Parnamirim.

Telefones funcionais do MP para mulheres em situação de risco:

  • Secretaria das Promotorias de Violência Doméstica (51ª, 68ª e 72ª): (84) 9 9994-8888
  • Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NAMVID): (84) 9 9972-0802

Grupo Reflexivo de Homens

Outro projeto que também tem contribuído para a redução no número de casos de violência contra a mulher é o Grupo Reflexivo de Homens, também desenvolvido pelo Namvid. O projeto, que já existe há sete anos, também foi premiado com o primeiro lugar na categoria Redução de Criminalidade na edição de 2016 do congresso.

Ele surgiu do entendimento de que é preciso ampliar o atendimento da violência doméstica para além da mulher, através de ações educativas que possam conscientizar o agressor. Segundo a promotora Érica Canuto, mais de 700 homens já passaram pelo grupo em Natal e o índice de reincidência na violência contra a mulher é zero.

Os homens inseridos no projeto passam por um curso com 10 aulas. “A gente fala do controle da raiva e da agressividade, Lei Maria da Penha, direitos humanos das mulheres, saúde dos homens, comportamento sexual de risco. Então, são vários temas. Nenhum homem que passou pelo grupo voltou a praticar crime. Reincidência zero” explica Érica.

Atualmente, além de Natal, o MPRN capacitou equipes de outros 21 municípios que adotaram o projeto e o executam até hoje. Alguns reúnem agressores condenados pela Justiça de outros municípios próximos para as aulas.

No ano passado, o cantor Francisco Luciano dos Santos, da banda Brilhantes do Forró, precisou fazer o curso do Grupo Reflexivo de Homens por decisão judicial após agredir a ex-mulher.

“Me senti segura graças à medida protetiva”

Janaína e João (nomes fictícios) namoraram durante 3 anos. Ele sempre foi ciumento, mas Janaína acreditava que os excessos muitas vezes eram “por amor”. Agressões verbais, xingamentos, empurrões, tudo isso fazia parte da rotina do casal de namorados. Mas Janaína sempre perdoava e acreditava que ele ia mudar.

Os dois se casaram, tiveram dois filhos e a situação só piorava. “Era sempre um empurrão, um aperto forte no braço e muitos xingamentos. Mas não passava disso. Até que um dia ele ficou doido de ciúmes porque eu cumprimentei um vizinho na rua. Quando eu entrei em casa ele começou a me xingar, me chamava de vagabunda, sem vergonha. Ele me jogou no chão e começou a me chutar, me arrastou pela casa me puxando pelos cabelos. Eu estava grávida de quatro meses. Foi aí que eu vi que não dava mais”.

Janaína então procurou a Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher e pediu uma medida protetiva que foi prontamente concedida pela Justiça. Mas no fundo não era isso que ela queria. Ela queria ficar bem com o marido, queria a família unida. Mais uma vez ele pediu perdão, disse que estava arrependido, que ia mudar. Ela acreditou e aceitou voltar. O período de paz entre eles não durou nem três meses.

“Ele pegou meu celular, viu umas mensagens que eu troquei com minha irmã, que não diziam nada de mais. Mas ele ficou doido de ciúmes e mais uma vez me bateu. Dessa vez foram vários tapas na cara e todos os xingamentos de novo na frente dos meus filhos. Ali acabou de verdade”, conta.

Mais uma vez ela procurou a Justiça e recorreu à medida protetiva. Dois anos se passaram . João a procurou algumas vezes, mas ela não o perdoou. “Me sentia segura graças à medida protetiva. De mim ele nunca teve medo, mas da Justiça ele tinha”.

Entrevista com a promotora de Defesa da Mulher, Érica Canuto

Quem deve pedir a medida protetiva?

A medida é para uma mulher que sofreu violência em qualquer de suas formas: física, sexual, patrimonial (tomar dinheiro, bens, instrumentos de trabalho), moral (calúnias, insultos) ou psicológica (humilhação, manipulação). Ela sofreu algum tipo de violência ou mais de uma e está em risco. E quer a proteção. Só tem medida protetiva quem tem isso. Existe risco de voltar a ser reiterada essa agressão ou risco de feminicídio.

Quanto maior é o risco de feminicídio para uma mulher que está em situação de violência doméstica?

As pesquisas dizem que uma mulher que sofre qualquer tipo de violência tem oito vezes mais chances de ser vítima de feminicídio do que uma que não sofre. Às vezes, as mulheres dizem que foi só uma ameaça. E a ameaça pra mim é um dos crimes mais graves. Quando o cara diz: ‘se você não for minha, não vai ser de mais ninguém’, ‘se você arranjar outra pessoa, eu lhe mato’, ‘você vai ver que não vai se separar de mim pra ficar com outro’, eu preciso temer que isso é um mal grave. Se um vizinho dissesse que ia me matar, eu já estava correndo na delegacia. Mas quando é alguém próximo, ela pensa: ‘ele sempre disse e nunca fez’. E subestima. Esse é o risco.

Em que momento a mulher deve fazer a denúncia?

Se eu tivesse que dizer alguma coisa pras mulheres é: não subestimem. Outra coisa é sobre acreditar naquela escalada da violência, quando dizem que foi um empurrão, depois vai aumentando, vai ficando vermelho. Não vai ficando vermelho. Vermelho já é na primeira violência. Na primeira vez que ele disser que ela vai com essa roupa, que ela está com um amante, que é o vizinho, que é um colega de trabalho e que ela não vai trabalhar, ou que ela não tem capacidade. Ele não precisa bater, ele já demonstrou que tem um sentimento machista de posse em relação a essa mulher e, ao menor sinal que ela for sair desse relacionamento, ela pode morrer. Ou mesmo sem o sinal que vai sair, porque isso a qualquer momento pode acontecer.

As medidas protetivas contribuem para a diminuição dos feminicídios?

O feminicídio é evitável. A morte é evitável. Eu não posso evitar sair na rua, ninguém sabe quando vai ser assaltado, quando pode ser vítima de um latrocínio. Mas eu posso prever o feminicídio, porque, se eu sou vítima de violência, eu sou candidata. Se eu tenho oito vezes mais chances do que outra que nunca sofreu, então eu sou candidata, estou na fila. Se há violência contra a mulher, qualquer forma de violência, ela já está no caminho e o feminicídio mora ao lado. Ela está caminhando. É o primeiro sinal e tem que pedir proteção. Não subestime e procure a medida protetiva. Acredite que essa lei veio para realmente proteger mulheres. A Lei Maria da Penha tem protegido muitas mulheres.

Fonte: G1 RN

Imagem: iStock

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