Crônicas da Velha Ribeira (75)

“Laerson da Alfaiataria”

Foi por esse nome, que ficou conhecido o paraibano Laerson Barbosa de Vasconcelos, dono da Alfaiataria Vilaça, na avenida Tavares de Lira, lado da sombra, entre a Duque de Caxias e a Câmara Cascudo.

Alto, troncudo, braços fortes, era a antítese do que se espera de um alfaiate, geralmente um sujeito elegante, maneiroso, fala mansa. Laerson – exímio mestre na tesoura – era justamente o contrário disso. Tinha um vozeirão tonitruante, especialmente quando recitava uma poesia matuta, pois era apreciador do estilo mote e glosa, genuinamente nordestino. Fungava continuamente aquele finíssimo tabaco também conhecido como torrado e rapé, de cuja caixinha jamais se separava e, quando dava um espirro, provocado por uma cheirada “fora do eixo”, o quarteirão estremecia.
Quando não tava com a tesoura ou fita métrica à mão, no exercício de seu mister, sentava-se à calçada da alfaiataria e puxava conversa com quem passasse, a quem convidava a sentar-se na cadeira extra, que sempre colocava ali. Saiu um
mote/glosa.

LAERSON, LÁ NA CALÇADA,VIVE A VIDA INTENSAMENTE.

A careca, realçada/ Por falta de cabeleira/ Passa horas, na Ribeira/ LAÉRSON, LÁ NA CALÇADA.
Esse mestre, em sua alçada/ Na tesoura, é competente/ Aprecia um bom repente/ Fica doente, melhora/ Não se lamenta, não chora/ VIVE A VIDA INTENSAMENTE.

Por causa do rapé – que cheirava sem parar – contraiu enfisema, mas, teimosamente, não se entregava. Chegou a internar-se 17 vezes no Hospital Memorial, do médico Chico Gato. Mas era melhorar, e meter o nariz!

Consta que, numa dessas internações, o médico recomendou-lhe que, se gostava de cheirar um tabaco – um dos nomes pelo qual o rapé é conhecido – que cheirasse aquele outro “tabaco”, macio e cabeludo…Mas, totalmente inofensivo. Dinarte me deu o
mote.

LAERSON, CHEIRE UM TABACO/MAS SÓ CHEIRE O CABELUDO
Em vez dum torrado, um naco/ enfiar pelo nariz/ Ouça o doutor, que lhe diz: LAERSON, CHEIRE UM TABACO/ Que num tem pó, tem buraco/ tem o aceiro peludo/ e a maciez do veludo/ p’ra sem cheiro num ficar/  Laerson, pode cheirar/ MAS SÓ CHEIRE O CABELUDO.

Separado da mulher, moravam sob o mesmo teto e cada um tinha sua vida. Certa vez, recebi um bilhete dele: “Amigo Aurino, conheci uma gata lá no clube de Vandique e tenho sempre me encontrado com a mesma. Agora não disse o endereço certo, nem onde trabalha. Peço para o amigo fazer uma glosa para eu aperreá-la”.

Isso aconteceu quando já tava chegando aos oitenta anos e, para mostrar à donzela que ele “dava no couro”, saiu essa abaixo.

LAÉRSON CHEGA AOS OITENTA/AINDA É FORTE E VIRIL.

Ser bem mais moço, aparenta/ No espírito e na idade/ E, em plena atividade/ LAÉRSON CHEGA AOS OITENTA/ Do trabalho, se sustenta/ É duro como esmeril/Um tabaco e um
xibiu/ Ele ainda cheira e come/ Essa estampa de home/ AINDA É FORTE E VIRIL.
A enfisema agravou-se, mas ele não abandonou o vício de cheirar tabaco, mesmo tendo chegado ao ponto de ser obrigado a ter sempre consigo um nebulizador, que o socorria nas crises. E, numa tarde dessas, sofreu um ataque da doença, num momento em que estava sem o nebulizador. Foi socorrido pelos amigos Deusdedith Matoso e Antônio Ramalho, que o levaram ao hospital, mas já chegou lá sem vida.
O destino nos prega peças curiosas: na tipografia de Dinarte, tinha uma foto grande, com velhos amigos na clássica pose sentados e em pé. Laerson pediu-a para colocar na sua alfaiataria, dizendo a Dinarte que, a medida em que os retratados fossem morrendo, ele colocaria uma cruz na testa do falecido. Não teve a chance, porque foi ele mesmo, o primeiro a partir…

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