É algo como um antigo axioma: do choque do nascimento de um bebê a uma ideia, há uma ruptura, um trauma, em tudo o que chamamos O Novo. O bebê, que já em seus primeiros minutos de vida vai ajustando sua fisiologia a um ambiente e atmosfera alheios ao qual vivera — a única forma que conhecia até então — é como alguém que por conta de algum acidente perde algo importante — física ou emotivamente- e diz: Hoje, tive que reaprender a viver– a exemplo do doutor Alec Holland, que, ao ter o corpo coberto por chamas, vítima de um atentado numa explosão, retorna como “outro ser”- um híbrido, homem-vegetal- depois de ter se lançado nos pântanos da Louisiana. É mais ou menos também o que diz aquele velho ditado A vida começa aos quarenta- entendi isso, através de um amigo, outro dia.
Aos quarenta algo mais começa a cair em nós ,além da pele flácida, e as coisas também vão deixando marcas mais profundas, além das rugas. E nesta altura que começamos a nos dar conta da quão precária é a vida, pois é geralmente com a perda que nos tornamos mais lúcidos. Perdemos mães, amigos, amores pelo caminho, que desesperadamente tentamos sempre reencontrá-los, tal qual o conhecíamos, lá na memória.
Um amigo — um dos poucos que carrego, não apenas na memória — acometido por essas febres que inspiram aos santos, lançou-me à visão o reflexo desses espasmos. Foi justamente quando me queixava a ele do meu romantismo, dessa minha grande dificuldade em desapegar-me do passado — coisa também de quem começa a já se sentir velho — que teve sua epifania e falou-me:
“Nem de longe somos mais aqueles garotos de 12 anos”. Assim como o Monstro do Pântano, que ainda pensa que é Allec Holland, essa visão está equivocada Hoje, somos outra coisa”
Não sei se a vida começou no pântano, mas há um consenso em grande parte da comunidade científica hoje em dia, que as primeiras manifestações, as primeiras formas mais complexas de vida, os seres pluricelulares, tenham partido da sopa primordial — um composto químico — ainda na infância da terra — que tenha como elemento principal o carbono. Talvez seja porque nossa relação com a água seja íntima, como uma espécie de batismo, em que é necessário para moldar o barro. Talvez seja pelo motivo de ser a Terra, mãe, e a água nos envolva como sua placenta, para então brotarmos como uma flor no jardim de Adão.
Alec Holand, o “Monstro do Pântano”, é um personagem em quadrinhos da DC Comics, criado por Len Wein e por Berni Wrightson. E talvez essa alegoria tenha sido a melhor resposta a um desconforto a todas as vezes que vagueio como um fantasma, num misto de alegria e de tristeza pungente, quando retorno ao meu bairro da primeira infância, Cidade da Esperança, ainda que numa passagem rápida, e não reconheça mais aquelas ruas, aquelas esquinas- pois, já não estão de acordo com o que vivi- quando confundo o rosto de um amigo com outro rosto qualquer na multidão — da mesma forma, como ele tantas vezes deve ter confundido o meu. E assim penso no que um vidente um dia falou sobre si mesmo:
“Eu é um outro”.