O colecionismo é a prática de guardar, agrupar ou organizar. Ao redor do mundo, a atividade reúne grupos de colecionadores de diversos tipos de acervo, como selos postais, folhas de árvore, jogos de tabuleiro, livros, fotografias antigas, louças, bebidas, conchas do mar, pedras, moedas, entre tantos outros exemplos que nem a imaginação alcança.
Nesse mundo das coleções, pedimos licença aos fãs de “Os Vingadores” para mostrar a coletânea de um fanático pela “Liga da Justiça”. O desenhista e jornalista, além de pesquisador em cultura nerd com ênfase no personagem Batman, Dickson Tavares, coleciona revistas em quadrinhos (HQs) e action figures [figuras de ação], que são os bonecos, para os leigos.
“Comecei com cinco anos a colecionar, mas ainda não tinha a compreensão de reunir coisas por temas, por exemplo. Eu tinha uns quadrinhos e figurinhas, mas somente aos 13 anos que decidi focar em algo que eu gostava e ainda gosto bastante, que é desenhar e acompanhar as histórias de aventura”, relata. O programador visual explica que o hobby da infância influenciou as suas habilidades, que resultaram na escolha profissional, pois nos quadrinhos ele tinha um entretenimento, os personagens que gostava e a referência dos desenhos.
Com o início da coleção marcada pela falta de critérios de organização, ao longo dos anos, Dickson passou a classificar os objetos por temas, agrupando por personagens como Superman, Batman, Homem-Aranha ou Capitão América. Em seguida, sentiu a necessidade de focar, devido à grande oferta de peças colecionáveis, quando ele começou a formar uma coleção do Batman.
Atualmente, o colecionador calcula que possui 300 HQs e 300 figuras de ação e esclarece que a coleção é mutável, visto que os interesses podem mudar ao longo dos anos, ocasionando a troca de objetos entre colecionadores. Apesar de o interesse por objetos específicos ter modificado, a sua admiração pelo Batman foi crescendo tanto que ele se tornou “Aca-fan” [acadêmico e fã] e produziu a dissertação de mestrado “Batman: uma luz sobre o cavaleiro das trevas – mediações, midiatizações, transmidiatizações”.
Na pesquisa de pós-graduação, Dickson analisou a relação do Batman com as mídias, mostrando como o personagem evoluiu com o mercado editorial e cinematográfico, além de investigar as representações sociais da animação nos Estados Unidos e no mundo. O pesquisador analisou o personagem sob a ótica das histórias de aventuras e como um produto cinematográfico, que fomenta o mercado do entretenimento mundial para além dos filmes, ou seja, com a venda de objetos ligados à marca e passíveis de coleção, como camisa, balde de pipoca, canecas, entre outros itens.
Colecionismo ao longo do tempo
Na perspectiva da museóloga e professora titular em Museologia da Universidade de São Paulo (USP), Maria Cristina Bruno, o colecionismo se insere dentro da cultura material, a qual é tudo aquilo que corresponde à materialidade, no aspecto físico da produção humana ao longo dos tempos. “Existem diversos estudos que mostram que os homens, desde a pré-história, já se interessavam pela materialidade, de selecionar, reunir e guardar. Então, o colecionismo é algo que vem de muito tempo e assumiu diferentes formatos e está na base dos museus e, em grande parte, corresponde a iniciativas particulares de coleções privadas que depois se tornaram públicas”, conta a docente.
Sob essa ótica, com o passar dos anos, o panorama das coleções foi se profissionalizando e consolidando as formas de tratar e preservar os objetos, seja no sentido de guardar, seja na acepção de criar caminhos de comunicação ou de educação. Dessa forma, no ensaio “Estudos de cultura material e coleções museológicas: avanços, retrocessos e desafios”, Cristina Bruno cria uma relação metafórica entre o trabalho museológico e o poema de Arnaldo Antunes, quando o compositor cita características dos objetos, como tamanho, cor, cheiro, idade, entre outros aspectos, e diz que “as coisas não têm paz”, na música “As coisas” (https://www.youtube.com/watch?v=f6zbNzazCMs).
Reforçando que hoje os museus assumiram um papel de ação social, pública e comunitária, ela enxerga uma abertura nesses locais nas últimas décadas, inclusive com atividades colaborativas com a sociedade. Para a estudiosa, há três rotas de avanços na área museológica, que são a da técnica embasada pela formação profissional e pelo uso de tecnologia para conservação e exposição; a da política pública, com instituição de plataformas, como a celebração da 17a Semana de Museus [comemorada de 13 a 19 de maio de 2019]; e das alternativas ligadas à memória de grupos que não foram privilegiados com exposições nos grandes museus, com acervos da cultura indígena, por exemplo.
Por outro lado, as três vertentes apresentam problemas que levam ao retrocesso, como a falta de acesso a profissionais capacitados, às tecnologias que tornam a visitação mais atrativa, além da descontinuidade das políticas com as mudanças de gestão. “No momento atual, estamos percebendo que todo esforço de décadas para favorecer e criar estímulos à formação profissional e à dotação orçamentária está sofrendo um ataque. Então, esses são sintomas que podem gerar retrocesso”, analisa a cientista.
Museus
Conforme o Estatuto de Museus, são considerados museus “as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”. Já para o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), o local “é o lugar em que sensações, ideias e imagens de pronto irradiadas por objetos e referenciais ali reunidos iluminam valores essenciais para o ser humano”.
No portal do Ibram, é possível ter acesso à plataforma Museubr, onde estão mapeados 3.789 museus no país, sendo 81 no Rio Grande do Norte [segundo acesso ao site no dia 8 de maio]. Desse panorama, historicamente, os museus estão nas universidades devido à tradição de pesquisas em vários ramos do conhecimento, cujos resultados vão sendo depositados em museus.
Entendendo que o museu universitário é um repositório de coleções que está sob a responsabilidade de uma universidade, a consequência foi que essas instituições adquirissem atividades de ensino, pesquisa e extensão. “Em 1992, em Goiânia (GO), fizemos o primeiro encontro dos museus universitários. De lá para cá, constatamos que uma parcela significativa dos museus são universitários”, completa Cristina Bruno, dizendo que esses setores aparecem inicialmente como acervos e apresentam algumas variáveis específicas, pois são locais de pesquisa e de preservação de memória do ensino.
No cenário nacional, outra observação é que a maior parte dos museus está vinculada às universidades federais, dentro das características de acervos e coleções, seguida pelos museus estaduais e, por último, vêm os das instituições particulares. Assim sendo, essas unidades museológicas cumprem ainda a missão de formar ou capacitar recurso humano para a área.
Museus da UFRN
Nos museus da UFRN atuam pesquisadores, instituições e organizações sociais, culturais, educacionais e de memória, com interesse no acesso democrático aos acervos para o desenvolvimento acadêmico, científico, cultural e tecnológico. Além disso, as unidades museológicas são campo de estágio supervisionado dos cursos de licenciaturas da UFRN, visando melhorar os processos pedagógicos.
Atualmente, a UFRN é responsável por quatro unidades que são o Museu Câmara Cascudo, que foi criado em 1960 como Instituto de Antropologia, e hoje é uma unidade de preservação, conservação e divulgação das ciências naturais e antropológicas; o Museu do Seridó, cujo trabalho é focado na preservação, conservação e divulgação da memória e da história seridoense; o Museu de Ciências Morfológicas, que surgiu como resultado de um projeto institucional de revitalização dos museus do Centro de Biociências da UFRN, com abordagem nas áreas das Ciências Naturais e Biologia; e o Museu de Arte Abraham Palatnik, uma ambiência virtual que se inscreve como deflagradora de ações de ensino, pesquisa e extensão.
Fonte: UFRN