A maioria das pessoas nunca viu um cadáver em seu estado natural. Normalmente, quando pensamos em um morto, nos vem à cabeça a imagem de um corpo digno dos funerais de cinema: uma pessoa deitada, de olhos e boca fechados, mãos entrelaçadas sobre a barriga, maquiada e com uma roupa formal. Mas a morte não costuma ser assim tão agradável à vista.
Para chegar ao velório em um estado apresentável, o corpo costuma receber os cuidados de uma pessoa de fora da família, acostumada a passar muito tempo entre cadáveres. Esse é o trabalho de Caitlin Doughty, agente funerária e empresária do ramo que, nas horas vagas, é famosa por fazer vídeos para o YouTube sobre o assunto.
O interesse pelos cadáveres despontou quando Doughty começou a estudar história medieval na faculdade. Aos 23 anos, ela encontrou emprego em um crematório e passou a conviver com a morte de perto. Sua primeira tarefa na função foi barbear um defunto. Estranho? Não para ela: passado o estranhamento inicial, Caitlin percebeu que o trabalho era parecido com o de depilar as próprias pernas. A americana relata toda a experiência em seu primeiro livro, Confissões do Crematório.
Antigamente, sem todo um mercado para cuidar do transporte, preparação e sepultamento, as próprias famílias se encarregavam de cuidar do corpo de entes queridos. Mas essa prática, cada vez mais, tem se tornado rara. O mais comum, principalmente em culturas ocidentais, é que parentes paguem uma empresa para se encarregar do corpo do momento em que a pessoa morre até o enterro. “Isso acontece há tanto tempo que as pessoas esqueceram do poder que elas tinham sobre o corpo de seus familiares”.
A principal ideia defendida por Caitlin Doughty é que as famílias recuperem esse “poder”. Ela acredita que passar mais tempo com o morto, quem diria, pode ser extremamente benéfico para familiares e amigos. Fazer isso, de acordo com o autora, intensifica o momento do luto e dá tempo para a pessoa perceber que aquele ente querido não vai voltar – e que a vida será diferente a partir daquele momento.
“É quase como uma terapia. É como ficar de frente para o espelho e se perguntar como você esteve vivendo a sua vida”, diz Doughty. E não estamos falando, aqui, de passar algumas horas em um funeral, cercado de coroas de flores. Mas sim, de ajudar a preparar o corpo depois da morte, respeitando as vontades do morto e normas de direitos sobre o corpo.
Essa era a forma como funcionava a Undertaking LA, funerária fundada por Doughty em Los Angeles, EUA. A empresa fechou as portas em junho de 2019, mas Caitlin pretende voltar ao ramo ainda em agosto deste ano – à frente de uma funerária com outro nome, mas que manterá a mesma proposta.
Fonte: Revista Superinteressante
Imagem: divulgação/DarkSide Books