Morre o cantor e compositor João Gilberto

Morreu hoje no Rio de Janeiro, aos 88 anos, o cantor e compositor João Gilberto, considerado um dos pais da bossa nova.

Segundo amigos da família, João Gilberto passava por um exame, que teve complicações. Os advogados da filha Bebel Gilberto, que trava uma disputa com o irmão João Marcelo, estão a caminho da casa do cantor. O corpo deve passar por uma autópsia.

O estado do cantor se agravou nos últimos meses — desde a perda da amiga e ex-mulher Miúcha, também cantora, que morreu em dezembro do ano passado.

A família confirmou a amigos a morte.

João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, nascido em Juazeiro, Bahia, em 1931, revolucionou a música brasileira. Contribuiu decisivamente para tornar a bossa nova um estilo musical reconhecido em todo o mundo.

Era um gênio lembrado também pelo temperamento difícil, que tinha como exemplo mais contundente sua preferência pelo isolamento em seu apartamento na zona sul do Rio.

Nos últimos anos, a vida de João Gilberto passou a ser relacionada a problemas financeiros, desavenças familiares e questões relacionadas a direitos autorais de sua obra.

Uma sequência de problemas que abalaram o artista, cada vez mais distante de todos, e com saúde cada vez mais frágil.

O que permanecerá, no entanto, é seu legado musical. Com “Chega de Saudade”, disco lançado no fim da década de 50, ele deu o tom da bossa nova e abriu espaço para a geração de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.

A voz de João Gilberto apresentava uma intensidade baixa, que, inicialmente, contrastou com a potência vocal dos cantores de rádios dos anos 50.

O equilíbrio de seu timbre com o toque de seu violão se tornou síntese da bossa nova. Era um artista perfeccionista, sempre muito exigente com a qualidade do equipamento de som em seus shows, assim como com o comportamento da plateia. Suas reclamações nos palcos, durante os espetáculos, também ficaram conhecidas.

Compositor, cantor e violonista, João aprendeu violão, como autodidata, aos 14 anos. Começou como cantor em estações de rádio de Salvador até ser convidado para o grupo vocal carioca Os Garotos da Lua.

Chegou ao Rio em 1949. Acabou expulso do grupo por chegar atrasado e faltar a ensaios

Três anos depois, lançou suas primeiras canções. A partir daí começou a circular na cena musical carioca e conheceu nomes que acabaram considerados como precursores da bossa nova, como Newton Mendonça, Tom Jobim, Billy Blanco, Lúcio Alves, Dick Farney, Dolores Duran, Sylvia Telles e Maysa.

Demonstrou especial interesse pela música dos pianistas Johnny Alf e João Donato e do violonista Luiz Bonfá. Eles estão entre as influências para o estilo singular de interpretação que João Gilberto desenvolve entre 1955 e 1957, período em que morou em Porto Alegre e na cidade mineira de Diamantina.

De volta ao Rio, em 1958, participou da gravação do LP Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso, onde apresentou pela primeira vez uma batida de violão que se tornou um emblema da bossa nova.

Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, dá nome ao primeiro LP de João Gilberto, de 1959, que passou a ser considerado um marco na criação da bossa nova.

Na sequência, lançou os discos O Amor, o Sorriso e a Flor (1960), e João Gilberto (1961). Em 1962, esteve ao lado de Tom Jobim, Roberto Menescal e Carlos Lyra em um show histórico no Carnegie Hall, em Nova York.

Foi então morar nos Estados Unidos, onde firmou parceria com o saxofonista Stan Getz que resultou no LP Getz/ Gilberto (1964), com participação de Tom Jobim ao piano.

Viveu quase vinte anos fora do Brasil para retornar nos início dos anos 1980.

ARTISTAS COMENTAM PERDA

Em sua conta no Instagram, Gal Costa prestou homenagem ao músico, dizendo: “Se foi João Gilberto o maior gênio da música brasileira. Influência definitiva no meu canto. Fará muita falta mas seu legado é importantíssimo para o Brasil e para o mundo.”

Caetano Veloso, um dos muitos artistas influenciados por João Gilberto e que chegou a declarar que ele era o “maior artista da música brasileira”, também falou sobre a morte do mestre: “Para mim ele, no momento exato, preciso da minha vida, apareceu dando sentido mais profundo à percepção das artes em qualquer estágio. Nem sei o que dizer pelo fato de que ele deixou de existir como pessoa física”

Em seu Instagram, a cantora Maria Bethânia fez coro ao irmão Caetano e disse que a cultura brasileira estava de luto: “#LUTO. A Cultura brasileira perde hoje uma personalidade lendária, o Pai da Nossa Nova, João Gilberto. Todo e total respeito e reverência a essa entidade da Música Brasileira. DESCANSE EM PAZ, JOÃO GILBERTO!”

Rita Lee, também deu uma declaração sobre o falecimento de João Gilberto, onde destacou a importância do músico em sua carreira: “João Gilberto me ensinou que eu era uma roqueira com voz de bossanoveira, Jamais vou me esquecer como ele foi generoso comigo, me convidando a participar de um especial na Globo. Um beijo e saudade”.

SAMBA ESQUEMA NOVO

João Gilberto em Buenos Aires, 1962. O músico descansava após um dos trinta shows que fez no Clube 676, na capital argentina Foto: Editora Globo / Agência O Globo

João Gilberto revolucionou o samba ao buscar um estilo de tocar o violão diferente do praticado até então, focado na essência do som. Tudo isso praticando sem parar em um banheiro na cidade de Diamantina, Minas Gerais, onde tentava dar forma ao que seria conhecido como a bossa nova.  Como disse Joyce, em entrevista ao GLOBO :

“Ele deu uma sintetizada numa coisa que era meio barroca no violão brasileiro, ficou uma forma muito preciosa de tocar. João é a perfeição. Quando ele pega uma música de que gosta, fica tocando um trilhão de vezes.”

Em entrevista à GloboNews, o escritor e jornalista João Máximo descreve a dimensão da transformação proporcionada pela nova maneira de tocar violão de João Gilberto: “A bossa nova surge com ele porque ele é um gênio, no violão, principalmente. O João Gilberto sai do Rio de Janeiro cantando de uma maneira, influenciando Orlando Silva da era do radio, sai tocando violão aparente ente comum e quando volta, ele volta com novo violão e nova maneira de cantar que não se sabe ao certo como ele descobriu.”

Como descreveram os críticos musicais Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano, em seu livro “A Canção no Tempo”,  João Gilberto mostrou em sua gravação de “Chega de Saudade” um violão que ia “na contramão da forma institucionalizada de tocar samba”.

UM ARTISTA RECLUSO

Recluso em seu apartamento na Zona Sul do Rio ao longo de quase uma década, João fazia pouquíssimas apresentações. Recentemente, teve uma rara aparição em fotografia compartilhada na internet por sua neta, Sofia.

No ano passado, o músico chegou a ser obrigado a abandonar sua casa por conta de uma ação de despejo. Ele tinha uma série de complicações financeiras causadas por disputas de direitos autorais e dívidas.

Fonte: O Globo

Imagem: Alain Benainous/ Gamma-Rapho via Getty Images

 

 

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