No meio do caminho, estrelas e planetas

De onde viemos e para onde iremos? Eis duas perguntas ousadas que o ser humano, em sua existência terrena, busca responder com o intuito de encontrar significado para si mesmo. Delas surgem correntes filosóficas, teológicas e também científicas, que há milhares de anos se desenvolvem e transformam a partir de novas descobertas sobre o mundo e o universo ao seu redor. A curiosidade sobre o que existe além do planeta Terra desperta pessoas desde séculos passados para a astronomia, uma das ciências mais antigas da humanidade, preocupada em desvendar mistérios que ainda nos cercam de dúvidas sobre estrelas, planetas e a existência da vida em outros sistemas.

Entre os questionamentos dessa área, alguns já foram esclarecidos após anos de estudos e avanço tecnológico. Comprovou-se, por exemplo, que eram verdadeiras as afirmações feitas pelo filósofo Giordano Bruno no século 16, quando foi condenado à morte por declarar que o universo era povoado por uma infinidade de estrelas e outros planetas. De início houve a descoberta do sistema solar e, mais recentemente, os cientistas encontraram exoplanetas – isto é, planetas que orbitam em outras estrelas que não o sol, constituindo outros sistemas. Essa última conquista aconteceu em meados de 1995 e, até os dias atuais, já foram contabilizados mais de quatro mil exoplanetas por diferentes satélites enviados para o espaço: primeiro o Corot, depois o Kepler e agora o Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS), caçador de planetas lançado pela NASA, em colaboração com o MIT e a Universidade de Harvard, em 2018.

A exploração do TESS por mais de duas mil estrelas brilhantes rendeu, no início deste ano, uma importante descoberta para a comunidade científica. Foi encontrado o primeiro exoplaneta do tipo Saturno, ou seja, com estrutura semelhante ao planeta gigante e gasoso do sistema solar. Essa classificação varia de acordo com a densidade de cada planeta, definida por meio da divisão da massa pelo volume. “Se é muito grande e muito leve, só pode ser feito de gás”, explica o professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), José Dias do Nascimento, que integra o grupo de pesquisadores participantes da descoberta. Para facilitar o entendimento, o cientista detalha que a estrutura do exoplaneta é similar a um planeta que está entre a de Saturno e Júpiter, com a diferença de ser um “Saturno quente” – ao contrário do planeta do sistema solar, que está mais distante do sol e apresenta temperatura mais fria, o exoplaneta é mais quente porque orbita próximo da estrela hospedeira TOI-197.

José Dias, responsável pelo Grupo de Estudos em Astrofísica, Estrutura e Evolução Estelar do Departamento de Física da UFRN – Imagem: Cícero Oliveira.

“Ao observar as estrelas mais velhas, podemos vislumbrar as consequências dessa evolução para a Terra. A ciência pensa nas soluções das equações, teorias e linhas evolutivas”, ressalta José Dias, responsável pelo Grupo de Estudos em Astrofísica, Estrutura e Evolução Estelar do Departamento de Física da UFRN, que se debruça sobre pesquisas de como as estrelas evoluem e o que acontece com os seus sistemas.

O sistema está a 300 anos-luz de distância, considerada relativamente próxima. Com 4,9 bilhões de anos de idade, é quase um bilhão de anos mais velho que o sol e a Terra, o que permite aos cientistas observar como será o nosso sistema solar no futuro. “As novas condições do sol afetam diretamente a existência humana, por isso nos preocupamos em saber qual é o limite de uso da Terra como planeta”, afirma José Dias. Essa precisão de informações sobre o exoplaneta e a estrela hospedeira é o grande diferencial do TESS, que permite o uso da técnica chamada de astero-sismologia para estudar a estrutura interna da estrela, a partir de suas pulsações. “Com uma medida extremamente precisa, conseguimos entender sobre a densidade das camadas externas e obter informações como o raio e a massa da estrela e, consequentemente, do planeta. A comparação com a idade da Terra, por exemplo, não seria possível nos estudos anteriores”, detalha o cientista.

Sabe-se também que, enquanto a Terra passa 365 dias para dar uma volta em torno do sol, o período orbital do exoplaneta é de aproximadamente 14 dias. Outro fato curioso é a característica da estrela hospedeira como subgigante, considerada uma raridade entre os sistemas já identificados. Ela é um pouco maior que o sol, atualmente uma estrela anã, mas que no futuro evoluirá para subgigante e posteriormente gigante. “A estrela é algo dinâmico. Nasce, cresce, acalma e depois expande, até que vai esfriando e morre como um objeto frio. Essa evolução interfere nas vidas de todos os planetas que dependem dela”.

Legado para a humanidade

O estudo de outros sistemas também possibilita o entendimento de quão rara é a vida em um universo próximo. Afinal, até o momento não foi encontrado um planeta igual à Terra orbitando uma estrela como o sol, em condições físicas ideais para formar vida – com água líquida, temperatura viável, proteção magnética, entre outras particularidades. Isso depende da posição do planeta em relação ao sol, pois aqueles muito próximos são extremamente quentes e os mais distantes se tornam grandes bolas de gelo. A zona habitável é exatamente onde está a Terra, mas as condições serão diferentes daqui a bilhões de anos, quando o sol passar pela sua evolução natural até o ponto em que irá “engolir” o nosso planeta.

Entre os resultados desse trabalho está o Dispositivo de Carga Acoplada, sensor conhecido pela sigla CCD, comumente encontrado nas câmeras digitais e que inicialmente foi desenvolvido para a captura de imagens nos telescópios.

Além de trazer essas respostas e previsões de futuro, a busca por exoplanetas deixa um importante legado para a humanidade a partir das tecnologias desenvolvidas na astronomia. Por exemplo, apenas com a construção da nave Apollo 11 e o primeiro pouso na lua, foram criadas 1.200 patentes de invenções como o termômetro digital, sensor de fumaça, aparelhos de ressonância, secador de cabelo e comida desidratada. “Do mesmo modo, quando precisamos detectar planetas como a Terra, as patentes vão ficando pelo caminho. A revolução tecnológica para colocar um satélite em órbita é bem grande”, destaca o professor.

Para José Dias, todo o esforço na busca por planetas e estrelas é alimentado pela curiosidade de sabermos como tudo aconteceu até chegar ao cenário atual do universo. Responder as questões da ciência é como voltar a ser criança, acostumada a fazer perguntas difíceis que às vezes não se sabe explicar. O desafio, portanto, é formular boas questões para fazer uma boa ciência, que assume o papel de desvendar os enigmas mais difíceis e às vezes considerados impossíveis – até que se prove o contrário.

Fonte: UFRN – ASCOM/UFRN

Sair da versão mobile