Ao escolhermos nossa refeição, costumamos pensar nas questões nutricionais, buscando opções mais saudáveis, por exemplo. Contudo, a origem dos alimentos, como eles foram produzidos ou a forma como chegam à nossa mesa nem sempre entram nos nossos critérios de consumo. Esse contexto, aliado à superprodução e à exploração comercial, além da falta de regulamentação em alguns ramos alimentícios, vem trazendo desequilíbrios ao meio ambiente.
Segundo o Guia de Consumo Responsável de Pescado, da WWF-Brasil – organização não-governamental que integra o Fundo Mundial para a Natureza –, a sobrepesca e a falta de gestão pesqueira foram apontadas como os principais fatores para a redução do estoque e, consequentemente, para um possível colapso da atividade no Brasil. A pesca comercial é regida pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, que ordena sobre diversas modalidades como a artesanal (por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar); industrial (por pessoa física ou jurídica e envolve pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotas-partes); científica (para pesquisa); amadora (por finalidade de lazer ou desporto) e de subsistência (para consumo doméstico).
Outros dados destacados no estudo reforçam a possibilidade de uma crise na pesca, pois mostram que os pescadores necessitam navegar distâncias cada vez maiores para encontrar estoques economicamente viáveis. Além disso, 58% do pescado avaliado pelo WWF-Brasil não é recomendado para consumo e, por outro lado, somente 28% das espécies possuem alternativas com certificação, enquanto o consumidor não tem acesso à procedência da qualidade do que come.
Com a avaliação e indicação de consumo sobre 38 espécies de pescado, o guia aponta ainda ações para minimizar o impacto negativo, como a rastreabilidade e a utilização de selos de sustentabilidade, iniciativas que dependem de um movimento coletivo e do poder público. Na perspectiva de contribuir com ações sustentáveis e inovadoras de produção de alimentos oriundos da aquicultura e da agricultura, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolve o programa de extensão “Pescado na mesa: uma alternativa de produção sustentável para o semiárido”.
Fundamentada na garantia de acesso às tecnologias que viabilizem o melhor aproveitamento da água por meio de sistemas sustentáveis interligados, a extensão emprega na comunidade rural a técnica da aquaponia, baseada em sistemas multitróficos (resíduos alimentares reciclados como recursos), na utilização do extrato e da biomassa das macroalgas e no melhoramento e otimização da produção aquícola.
A aquaponia integra agricultura com aquicultura, produzindo pescado e vegetais, com a economia de água em torno de 70%, devido à recirculação no sistema. “A água fica presa e vai recirculando na estrutura dos canos. Então, ela não chega ao solo. Essa mesma água é para os peixes e para os vegetais orgânicos, pois não é preciso o uso de defensivos químicos ou agrotóxicos”, explica a coordenadora do “Pescado na mesa”, Virgínia Maria Cavalari Henriques, ao adicionar que os dejetos dos peixes servem de adubo para as plantas.
A produção de vegetais, peixe e camarão é sustentável, trazendo benefícios econômicos, sociais e culturais, por proporcionar alimentação, trabalho e fonte de renda para o produtor rural. “Para nossa região que tem calor, é preciso gerenciar a captação de água, por exemplo, desenvolvendo a cultura de armazenar a água da chuva. Também temos que utilizar outras ferramentas de agricultura, já que o solo é degradado pelas atividades do passado, como a mineração e o gado”.
Para que o sistema funcione perfeitamente, um critério essencial é a qualidade da água. Jerônimo Gomes Crisanto, 40 anos, é filho dos donos do sítio onde o programa é executado e faz a medição das propriedades da água com reagentes, os quais modificam a coloração da água, conforme a quantidade de amônia – quanto mais clara a cor, menos dejetos dos peixes na água. Contudo, ele lembra que ter a presença da substância não é negativo, visto que as hortaliças se nutrem do componente químico.
“Só o fato de ter amônia não é um indicativo ruim, ao contrário, visto que o subproduto da amônia é o nitrito e seu subproduto será o nitrato, que é a forma do nitrogênio que a planta consegue absorver”, explica o aluno de Engenharia de Aquicultura, Dalmo Múcio Silva dos Santos.
O estudante mostra que outra vantagem da aquaponia é a economia de energia porque o sistema funciona à base da gravidade, ou seja, a água chega ao tanque do peixe por meio de uma bomba elétrica. Após alcançar um nível exato de água, a movimentação segue o fluxo proporcionando a ida das fezes e dos restos de ração dos animais para o decantador, que segue para o biofiltro e converte amônia em nitrito e nitrato.
A alimentação dos peixes fica a cargo da cargo da dona do sítio e mãe de Jerônimo, Maria Eunice Gomes Crisanto, 57 anos, que tem boas expectativas para o futuro do projeto. “Eu acredito que aqui é uma agricultura familiar, espero produzir os peixes e essas coisas lindas dessas hortaliças, tomate, pimentão, tudo que a gente puder fazer. Planejamos vender também, porque temos tanto trabalho e sacrifício que precisamos vender”, pretende a agricultora.
A produção obedece ainda aos preceitos da segurança alimentar, visto que são produtos sem agrotóxicos e não há necessidade de adubar os vegetais, pois os dejetos do peixe servem para nutrir as verduras. Nessa perspectiva, a professora Virgínia acrescenta que o objetivo não é somente a subsistência, mas dar condições de desenvolver um negócio, no nível comercial e para dar lucro aos produtores. “A ideia é transformar a atividade desenvolvida no sítio em modelo para ser replicada em outros locais, como um centro sobre aquaponia”, sonha a pesquisadora.
Pescado na Mesa
Além da aquaponia, a extensão desenvolve um projeto de educação infantil, produção de um documentário, editoração de um livro fotográfico e fabricação de bioestimulante. O programa atua com a participação de alunos, professores e técnicos em benefício das comunidades do semiárido nordestino, local que enfrenta períodos de seca e carece de tecnologias que possibilitem uma vida mais digna aos cidadãos. A ação possui a meta de levar tecnologia para o campo, com respaldo dos princípios científicos desenvolvidos por professores e alunos. Hoje o projeto-modelo acontece no sítio Jacú de Órfãos, localizado no município de São José do Campestre, no Agreste potiguar.
As instituições parceiras da extensão da UFRN são a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa). “Trabalhamos com a filosofia que a universidade nos orienta, que é desenvolver ensino, pesquisa e extensão de forma conjunta. Então, nos laboratórios do Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL), a gente produz a base do que se aplica no campo, como por exemplo a pós-larva de camarão de água doce, com o acompanhamento da qualidade da água e o manejo alimentar”, a professora Virgínia cita ainda como exemplo a produção de bioestimulantes foliar, em parceria com a Química Analítica, cujo trabalho rendeu artigos científicos e estágios para os alunos.
Imagens: Cícero Oliveira.
Fonte: UFRN – ASCOM/UFRN