Aplicando a técnica de edição de genes CRISPR a uma cobaia animal, uma equipe de pesquisadores do Hospital Infantil da Filadélfia (CHOP) e da Faculdade de medicina Penn impediram o desenvolvimento de uma doença pulmonar letal em que uma única mutação prejudicial pode levar a morte horas após o nascimento. Este estudo de prova de conceito, publicado hoje na Science Translational Medicine, mostrou que a edição in utero poderia ser uma nova abordagem promissora para o tratamento de doenças pulmonares antes do nascimento.
“O feto em desenvolvimento tem muitas propriedades inatas que o tornam um receptor atraente para a edição de genes terapêuticos”, disse William H. Peranteau, pesquisador do Centro de Pesquisa Fetal do CHOP, e cirurgião pediátrico e fetal do Centro para o Diagnóstico e Tratamento Fetal do CHOP. “Além disso, é muito animador ter a capacidade de curar ou mitigar uma doença agindo desde meados da gestação até suas etapas finais, antes que ocorra o nascimento e uma patologia irreversível se inicie. Isto é particularmente verdadeiro para doenças que afetam os pulmões, cujas funções se tornam dramaticamente mais importantes na hora do nascimento.”
As patologias pulmonares que a equipe espera resolver – doenças congênitas como a deficiência de proteína surfactante, a fibrose cística e a deficiência de alfa-1 antitripsina – são caracterizadas por insuficiência respiratória ao nascimento ou doenças pulmonares crônicas com poucas opções de tratamento. Cerca de 22% de todas as internações hospitalares pediátricas são causadas por distúrbios respiratórios, e as causas congênitas de doenças respiratórias são muitas vezes letais, apesar dos avanços nos cuidados e de uma compreensão mais profunda de suas causas moleculares. Como o pulmão é um órgão de barreira, em contato direto com o ambiente externo, o tratamento direcionado para corrigir genes defeituosos é uma terapia atraente.
“Queríamos saber se esse recurso poderia funcionar”, disse o co-líder do estudo Edward E. Morrisey, da Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia. “O truque estava em como dirigir a maquinaria de edição de genes para atingir as células que revestem as vias aéreas dos pulmões.”
Os pesquisadores mostraram que o fornecimento ininterrupto e no momento certo de reagentes de edição de genes CRISPR para o fluido amniótico durante o desenvolvimento fetal resultou em alterações direcionadas nos pulmões dos camundongos. Eles introduziram os editores de genes no desenvolvimento de ratos quatro dias antes do nascimento, período análogo ao terceiro trimestre em humanos.
As células que apresentaram a maior porcentagem de edição foram as células epiteliais alveolares e as células secretoras das vias aéreas que revestem as vias aéreas pulmonares. Em 2018, uma equipe liderada por Morrisey identificou a linhagem de progenitores epiteliais alveolares (AEP), que é incorporada em uma população maior de células chamadas de células alveolares do tipo 2. Essas células geram um surfactante pulmonar, que reduz a tensão superficial nos pulmões e os impede de colapsar a cada respiração. Os AEPs são um tipo de célula estável no pulmão e giram muito lentamente, mas se replicam rapidamente após a lesão para regenerar o revestimento dos alvéolos e restaurar as trocas gasosas.
Em um segundo experimento, os pesquisadores utilizaram edição pré-natal de genes para reduzir a gravidade de uma doença pulmonar intersticial, a deficiência de proteína C do surfactante (SFTPC), em um modelo de rato que tem uma mutação comum encontrada no gene SFTPC. Cem por cento dos camundongos não tratados com essa mutação morrem de insuficiência respiratória nas primeiras horas após o nascimento. Em contraste, a edição pré-natal de genes para inativar o gene Sftpc mutante resultou em morfologia pulmonar melhorada e sobrevivência de mais de 22% dos animais.
Futuros estudos serão direcionados para aumentar a eficiência da edição de genes no revestimento epitelial dos pulmões, bem como avaliar diferentes mecanismos para levar a tecnologia de edição genética aos pulmões. “Também estão sendo exploradas diferentes técnicas de edição de genes que podem um dia corrigir as mutações exatas observadas em doenças pulmonares genéticas em bebês”, disse Morrisey.
Morrisey colaborou em um estudo recente liderado por Peranteau e Kiran Musunuru, da Penn, demonstrando a viabilidade de edição de genes no útero para resgatar uma doença hepática metabólica letal em um modelo de rato – pela primeira vez no útero a edição de genes mediada por CRISPR preveniu um distúrbio metabólico letal em animais. Semelhante ao estudo, Peranteau diz que “a pesquisa atual é um estudo de prova de conceito que destaca as perspectivas futuras para tratamentos pré-natais, incluindo edição genética e terapia gênica de reposição para o tratamento de doenças congênitas.”
Fonte: Revista Scientific American Brasil/Hospital Infantil da Filadélfia
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