O Brasil entrou em um loop infinito* em relação aos seus problemas mais básicos, a tal ponto que acabaram por se tornarem complexos. E pior: estamos tão acostumamos a eles que já não nos posicionamos para resolvê-los e aceitamos como “normal” a mera manutenção destes, assim como quem lida com uma doença sem cura. Porém, há “remédios” e os exemplos do uso destes estão espalhados pelo mundo, para quem quiser ver.
O que dizer da saúde pública em nosso país? Se pegarmos um jornal de qualquer década do século 20, teremos dúvidas se as notícias não são atuais. Sim, pois lá estão os doentes morrendo em corredores de hospitais superlotados, a ausência de medicamentos e insumos elementares, a falta de médicos e leitos hospitalares, tal e qual acontecem atualmente. Assim sendo, como dissemos no início do texto, são problemas básicos que, devido ao descaso e a incompetência perene dos gestores públicos, acabam por evoluir a níveis de tragédia em massa. Porém, as soluções, além de simples, são também disponíveis — ainda mais em pleno século 21. Países que “curaram” seu sistema de saúde existem aos montes no mundo e suas experiências bem poderiam servir de guia para nós, mas primeiro precisamos (voltar a) crer que isso é possível e nos direcionarmos para isto — “esforço” sem o qual sequer daremos um passo.
O Canadá, por exemplo, destina 8% do seu PIB para a saúde pública — o Brasil patina em 3,8%, segundo dados do Banco Mundial. Porém, não se trata apenas de disponibilizar recursos, pois os canadenses também implementaram uma forte fiscalização quanto ao uso do dinheiro, além de segmentar o sistema de saúde, dando autonomia para que cada região implemente e faça a gestão da rede local. Fora isso, os médicos não são funcionários públicos, mas sim prestadores de serviço, que atendem em seus próprios consultórios ou em hospitais que também são remunerados conforme o serviço que prestam. Isto diminui os gastos com vínculos empregatícios, previdência social e com estabelecimentos de saúde públicos (que são verdadeiros elefantes brancos para o Estado). Em nosso país gastamos muito (e mal) com uma rede pública ineficiente, arcaica e pesada aos cofres públicos, além de vivermos em meio ao imbróglio burocrático de responsabilidades (o famoso “jogo de empurra” …) existente entre a rede municipal, estadual e federal de saúde. E antes que nossa “síndrome de vira-latas” impulsione algum leitor a dizer “ah, mas lá é o Canadá, né?! Vai comparar?!”, gostaria de lembrar que o Brasil é a 9.ª maior economia do mundo e o Canadá é a 10.ª.
A educação pública no Brasil também é uma verdadeira piada de mal gosto, tal como a saúde de mesmo cunho. Com raríssimas exceções, a realidade das escolas é o sucateamento, ensino de péssima qualidade, professores sobrecarregados e mal remunerados, alunos chegando ao ensino médio com analfabetismo funcional, entre outras pérolas. E, tal como ocorre no caso da saúde, a desgraceira é dividida irmãmente pelos entes municipal, estadual e federal, onde a incompetência de um é empurrada para o outro e os alunos são vítimas de todos juntos. Em nosso país não há uma chamada a responsabilidade, uma consciência dos frutos benéficos que uma educação de qualidade poderia trazer a nação em várias esferas. Países que compreenderam isso, como o Japão e a Alemanha, se tornaram superpotências ao investir no que consideraram a “prata da casa”. Se hoje estes países exportam conhecimento para o mundo, foi porque antes investiram em educação de qualidade. Como fruto, eles colhem a bonança financeira, a baixa criminalidade, a mão-de-obra local altamente qualificada, modernidade, qualidade de vida etc. Só que nem sempre foi assim para estes dois países, principalmente antes da 2.ª Grande Guerra Mundial… porém, foi a decisão de “resolver” o problema que os fez caminhar para onde estão agora. Compreendeu Brasil?
E a nossa (in)segurança pública? Com os seus números de guerra civil, tem permitido que os cidadãos sejam verdadeiros reféns do medo. E diante dessa ameaça, que não tem mais hora ou lugar para acontecer, a população recorre ao simplismo e clama por mais policiais, pelo exército, por armamento, pela volta da ditadura, pelo Chapolin Colorado, enfim, por um socorro. Porém, não percebe que os policiais não são onipresentes e nem têm bola de cristal; um Estado militar, com direitos suprimidos e toque de recolher, não fará os bandidos sumirem, apenas aprisionarão ainda mais a população; o exército, composto em sua maioria por pós-adolescentes de 18 anos, não está preparado ou tem, literalmente, a maturidade necessária para lidar com a guerrilha urbana que vivemos — além da complexidade social envolvida na temática. O que fazer então? Já diz o ditado popular: “prevenir é melhor do que remediar” … neste ponto, voltemos a questão da educação, que é comprovadamente a mais eficaz ferramenta de prevenção da criminalidade. Sim, pois desafio qualquer pessoa a me apresentar sequer um país que tenha altos índices de educação e que não tenha também baixos números de criminalidade! Uma coisa está intrinsecamente ligada com a outra. Agora, você se lembra daquele Brasil que está pouco se lixando para a educação, que remunera mal os professores e oferece um ensino de péssima qualidade, que deixa escolas ficarem sucateadas e desabando na cabeça dos alunos? Pois é, ele colhe o que planta.
Enquanto todos nós não nos comprometermos em buscar e cobrar a resolução dos problemas que nos assolam, estaremos fadados a (re)vivê-los sempre. A “manutenção” não basta; a “melhoria” não serve; a “reforma” é um acinte a inteligência. Tudo que não for “solucionar” será apenas perda de tempo e mais do mesmo, no mais literal sentido da expressão. Ou despertamos de vez para a demanda real que se apresenta diante de nossos olhos ou continuamos como tolos, clamando por ideias reducionistas e ao custo de mais vidas. Acorda porra!