Juiz decide que Guararapes deve pagar por violações de direitos em facções

O juiz Alexandre Érico Alves da Silva, da 7ª Vara do Trabalho de Natal, determinou que a Guararapes Confecções deve arcar com eventuais despesas geradas por violações de direitos trabalhistas em oficinas de costura contratadas pela gigante têxtil no interior do Rio Grande do Norte. A decisão está em sentença proferida nesta sexta-feira, 26, no âmbito do processo em que o Ministério Público do Trabalho (MPT) acusou a empresa de utilização irregular de mão de obra.

Em sua decisão, o magistrado concordou com a tese do Ministério Público de que a Guararapes terceirizou mão de obra para sua atividade-fim (confecções), o que era proibido até 2017, e que as pequenas oficinas de costura do interior potiguar se transformaram em uma espécie de extensão da fábrica da gigante têxtil.

A sentença lista uma série de evidências que, na opinião do juiz, comprovam que as chamadas facções têxteis são subordinadas à Guararapes. O titular da 7ª Vara cita o fato de que as oficinas de costura têm um maquinário padronizado para atender às exigências de produção e que os microempresários têm pouco poder de negociação ou barganha com a gigante têxtil.

As oficinas de costura – estimadas em 60, atualmente – são adeptas do programa Pró-Sertão. Lançado em 2013 pelo Governo do Estado em parceria com a Guararapes e entidades do setor produtivo como Fiern e Sebrae, o projeto concede incentivos para a instalação de pequenas fábricas de confecções no interior. A produção delas é comprada principalmente pela Guararapes, que leva as peças semiprontas para a sua unidade em Extremoz, onde finaliza o processo e destina para comercialização.

“O que temos pintado nesse quadro é uma imagem nítida de uma terceirização mitigada onde as facções contratadas prestam um serviço predefinido, engessadas pelas imposições da (…) Guararapes, sob o argumento da necessidade de manter padrões de qualidade, sendo esta última a real beneficiária de toda cadeia produtiva com seus lucros e dividendos”, ressalta o juiz Alexandre Érico.

Apesar de salientar que a proposta gerou empregos no interior, o magistrado criticou o modelo de negócios do Pró-Sertão. Para o juiz, o programa foi criado como uma forma de a Guararapes reduzir seus custos, transferindo parte da produção para as oficinas de costura.

“Isso atrelado a benefícios fiscais concedidos pela Sudene e Governo do Rio Grande do Norte. Essa prática demonstra que o dinheiro público foi usado em benefício da empresa sem que esta efetivamente tenha se preocupado em dar a sociedade uma resposta positiva, mantendo seus postos de trabalho diretos, e procurando diminuir seus custos de outras maneiras que não driblar a legislação laboral travestida de adesão ao ‘Pró-Sertão’”, escreveu.

Para Alexandre Érico, o Pró-Sertão foi a forma que a Guararapes encontrou para obter incentivos fiscais que ela não conseguiria isoladamente. Como forma de corroborar essa conclusão, o juiz cita o caso de uma testemunha que admitiu ter sociedade em onze oficinas de costura diferentes, todas elas contratadas pela Guararapes. O magistrado afirmou, também, que, diferentemente da Guararapes em si, as facções não teriam obrigações como a contratação de menores ou pessoas com deficiência em função do baixo número de empregados – no máximo 30.

No entendimento do juiz da primeira instância, a liberdade de atuação das oficinas de costura é limitada pela Guararapes. Com a padronização do maquinário, exemplifica o magistrado, as facções têxteis ficam impossibilitadas de produzir outros tipos de vestuário que não aqueles comercializados pela Guararapes. Além disso, para o juiz, a existência das facções está atrelada à manutenção dos contratos com a gigante têxtil, o que engessa o conceito de “livre iniciativa”. É apontado, ainda, que os contratos entre facções e Guararapes preveem que a remuneração pelo serviço prestado está atrelada ao salário mínimo, mais um fator que limita a atuação das oficinas de costura.

Paralelamente a isso, lembra o juiz, há relatos de violações a direitos trabalhistas nas facções de costura. O magistrado escreveu que cerca de 600 trabalhadores ficaram sem emprego e sem proteção após a Guararapes romper o contrato com 20 facções de maneira unilateral. “Pela higidez financeira de cada facção, uma rescisão contratual em massa gera um custo que não teria como suportar”, pontuou.

Diante do exposto, o juiz acatou em parte o pedido do Ministério Público. O magistrado negou o pedido para reconhecer todas as facções têxteis e a Guararapes como um grupo econômico. “Estaríamos atribuindo a cada uma das facções e à empresa demandada (Guararapes) a responsabilidade total por todas as obrigações decorrentes dos contratos de trabalho celebrados em toda a cadeia produtiva. Isso poderia gerar uma situação em que uma facção, em tese, correria o risco de pagar uma dívida de outra facção ou até mesmo da demandada principal”, argumentou.

Deste modo, o magistrado concluiu que houve uma terceirização atípica, na qual a Guararapes não se associou, mas praticou uma “ingerência exacerbada” sobre as facções têxteis. Por isso, segundo o juiz, a gigante têxtil deve ser responsabilizada pelas “despesas pecuniárias” decorrentes do descumprimento de normas de segurança e de todas as normas de natureza laboral pactuadas entre os trabalhadores e as oficinas de costura.

Indenização

Apesar de reconhecer a irregularidade na contratação, o juiz isentou a Guararapes de pagar indenização por danos morais coletivos.

O magistrado afirma que, segundo entendimento da Justiça do Trabalho, o “dano moral coletivo” ocorre quando um grupo de trabalhadores tem violado seu direito a um emprego seguro e digno. Neste sentido, o juiz escreve que, apesar dos argumentos do Ministério Público, a Guararapes tinha preocupação com o ambiente de trabalho dos profissionais das oficinas de costura, “embora sua atuação não tenha ocorrido com eficiência e eficácia que se deseja”.

Segundo o juiz, a contratação das oficinas de costura pela Guararapes acarretou uma melhoria na vida dos trabalhadores dessas pequenas empresas, especialmente na região Seridó Potiguar.

Além disso, o titular da 7ª Vara assinala que os próprios funcionários emitiram manifestações de apoio à gigante têxtil e em repúdio à ação protocolada pelo Ministério Público, inclusive com protestos na rua. Tal comportamento, no entendimento dele, revela que nem mesmo os empregados se sentiram lesados pela situação.

O Ministério Público do Trabalho cobrava da Guararapes uma indenização no valor de R$ 37,7 milhões.

Em nota, a defesa da Guararapes comemorou a decisão. “Vencemos apesar de todos os obstáculos enfrentados. E a sentença demonstra a idoneidade da empresa e a responsabilidade com o trabalhador norte-rio-grandense”, disse o advogado Erick Pereira.

A reportagem ainda não conseguiu contato com o Ministério Público do Trabalho.

Imagem: José Aldenir

Fonte: Agora RN

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