Quarta-feira, 10 de abril de 2019. Foi neste dia que, pela primeira vez, o mundo pôde ver com seus próprios olhos algo que, até então, era considerado invisível. “Nós tiramos a primeira foto de um buraco negro”, comemora Sheperd Doeleman, cientista que coordenou a complexa empreitada, em um comunicado. “Isso é um feito científico extraordinário, alcançado por um time de mais de 200 pesquisadores”, afirma o diretor do projeto que, de certa maneira, pode ser considerado a maior “câmera fotográfica” já concebida.
O EHT (sigla em inglês para Telescópio do Horizonte de Eventos) é uma rede que conecta oito potentes radiotelescópios espalhados pelo planeta, trabalhando em conjunto com um objetivo: fotografar a sombra de buracos negros. Esses objetos monstruosos não emitem luz, já que nem fótons escapam do horizonte de eventos, o ponto que delimita a prisão gravitacional do buraco negro. Mas é possível enxergá-lo no meio do anel de matéria brilhante que gira em torno desse “ralo” cósmico.
Foi exatamente essa imagem que foi divulgada hoje, simultaneamente em várias conferências de imprensa conduzidas pelo globo. A foto revolucionária mostra o buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87, um dos maiores e mais ativos que conhecemos. Os estudos revelaram que esse objeto concentra uma massa 6,5 bilhões de vezes maior que a do Sol, em um diâmetro de 1,5 dia-luz, comparável ao do Sistema Solar.
Com sua resolução extremamente potente, o EHT deu conta do recado. Se ele fosse uma pessoa sentada em um café em Paris, seria capaz de ler um jornal do outro lado do Atlântico, em Nova York. A rede trabalha com a técnica de interferometria, a mesma utilizada para captar ondas gravitacionais. As observações de todos esses instrumentos são sincronizadas através de relógios atômicos instalados em cada uma das instalações participantes do projeto.
A forma como a colaboração processa todos os dados coletados impressiona. Durante a primeira rodada de observações realizada em 2017, cada um dos sete radiotelescópios gerou 350 terabytes de dados por dia. Como não há nuvem que aguente armazenar tudo isso de informação e nem internet que viabilize um upload diário dessa magnitude, os cientistas realizaram um procedimento peculiar.
Os dados foram guardados em HDs externos especiais, com gás hélio em seu interior (para evitar danos aos discos, o que causaria perda de dados), e levados de avião até supercomputadores no Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha, e no Observatório Haystack, do MIT, nos Estados Unidos. Nessas máquinas, um total de 5 petabytes de informação foi processado através de modelos e algoritmos avançados, criados pelo próprio EHT.
Durante a coletiva da NSF, a Fundação Nacional da Ciência, uma das financiadoras do projeto, o astrônomo Dan Marrone, da Universidade do Arizona, deu uma noção prática do que são 5 petabytes de dados. Seriam 5 milênios de músicas MP3 tocando (a pirâmide de Gizé foi construída há pouco mais de 4,5 mil anos). Ou, ainda, a soma de todas as selfies tirada por 40 mil pessoas ao longo de toda a vida.
Seis artigos detalhando os resultados foram publicados em uma edição especial do The Astrophysical Journal Letters, e a jornada também será divulgada ao público nesta sexta (12) no documentário Black Hole Hunters (Caçadores de Buracos Negros), produzido pelo Smithsonian Channel. Além de representar o início de uma nova era para o estudo dos buracos negros, o jato violento de partículas que eles liberam e como eles interferem na vida das galáxias e do Universo como um todo, a foto também representou mais uma comprovação da teoria da relatividade geral, de Albert Einstein.
O formato do anel seguiu à risca as predições elaboradas pelo físico alemão – exatamente 100 anos depois da primeira prova de que a teoria era verídica. Ela foi fornecida durante um eclipse solar em 1919, observado por cientistas britânicos em uma expedição a Sobral, no Brasil, e na Ilha do Príncipe. A foto não deixa dúvida de que a relatividade geral funciona para qualquer tamanho de buraco negro, seja ele de pequeno ou supermassivo.
Durante a coletiva, Shep Doeleman afirmou que não promete nada, mas em breve espera que o segundo alvo do EHT tenha sua foto revelada: o Sagitário A*, buraco negro supermassivo que fica no centro de nossa galáxia. O próximo passo do projeto é realizar melhorias para observar em frequências mais altas e também adicionar novos telescópios à rede, aumentando a resolução e nitidez das imagens.
Atualmente, o projeto já conta com observatórios em vulcões no Havaí e no México, em montanhas do Arizona nos EUA e em Sierra Nevada na Espanha, no deserto do Atacama no Chile e no polo sul, na Antártica. “Dominação mundial não é o suficiente para nós, também queremos chegar no espaço”, disse Doeleman, expressando o objetivo de incluir um telescópio espacial no grupo. O sucesso da empreitada e as expectativas deixam claro: estamos diante de uma revolução no estudo dos buracos negros.
Fonte: Revista Superinteressante
Imagem: Event Horizon Telescope Collaboration/NASA