Quando Ralph Baer surgiu com a ideia de criar um aparelho que permitisse o usuário interagir com a TV, mal sabia que revolucionaria para sempre o mundo.
Na segunda metade da década de 1960, o engenheiro alemão naturalizado americano, Ralph Baer, aparece com uma ideia inovadora: criar um aparelho que permitiria o usuário interagir com a televisão.
Em 1966, Baer inicia o projeto e, um ano depois, ele apresenta seu primeiro jogo de ping pong funcional. Logo depois – junto com Bill Rusch e Bill Harrison – desenvolvem uma pistola e mais três games (vôlei, futebol e tiro). Em 1968 é apresentado o primeiro protótipo, a Brown Box.
Em 1971, Baer e sua equipe fecham contrato com a empresa holandesa Magnavox, que fica com a licença de produção da Brown Box. A partir de então, começa a nascer o aparelho que revolucionaria para sempre o mercado de entretenimento, o Magnavox Odyssey.
O Museu Nacional de História Americana Smithsonian tem um dos protótipos de Ralph Baer em exposição. Em 2006, o próprio engenheiro doou toda sua unidade de testes para o Museu, que o mantém em exposição até os dias atuais.
Nasce o primeiro console caseiro do mundo
Em 1972, tendo a Magnavox (divisão holandesa da Philips) como produtora do console, começa a ser distribuído o Magnavox Odyssey. Em pouco mais de seis meses, a plataforma vendeu mais de cem mil unidades. Por se tratar de produto completamente novo e desconhecido para o grande público e, além disso, de o funcionamento depender de televisores da Magnavox, pode-se considerar que esse número de vendas foi um grande sucesso.
O console foi vendido no mercado por 100 dólares e vinha com quatro jogos. Apesar de, na época, já existir tecnologia que permitisse acrescentar sons aos games, a equipe optou por não fazê-lo, deixando o videogame sem áudio.
Devido à simplicidade dos processadores, os jogos também não tinham cores e para driblar essa deficiência foram criadas películas que eram postas na tela da TV. Essa solução, além de trazer um pouco do colorido, também servia de cenário para os diversos tipos de jogos do console.
A mídia utilizada também era bastante rudimentar, cartões de circuitos (jumpers) que somente armazenavam as instruções que eram decodificadas pelo Odyssey e convertidas nos jogos.
Analógico ou digital?
Por utilizar um circuito analógico, muitos fizeram a confusão de achar que o Magnavox Odyssey um console baseado nesta tecnologia. Mas, na verdade, até a oitava geração os videogames usavam um circuito analógico de saída de vídeo, para conseguirem “conversar” com os televisores da época. Devido a isso, muitos colecionadores consideravam o Odyssey um videogame analógico.
A confusão só teve fim quando o próprio Baer se manifestou., esclarecendo que o Odyssey era um console digital, uma vez que os sinais eletrônicos trocados entre as várias partes (geradores de sincronização, matriz de diodos etc) eram binários.
Pioneirismo em excelência
O Magnavox não foi somente o primeiro videogame do mundo, como também foi o pioneiro em trazer os periféricos. O console já trouxe consigo algo que se tornaria bastante comum nos videogames, a light gun. E não era uma simples pistola colorida de plástico, mas sim uma bela réplica de rifle, realmente algo muito bem caprichado.
Apenas três jogos foram desenvolvidos para o uso do rifle: o Shooting Galery – este utilizava 10 cartões de circuitos para rodar o jogo – em que o objetivo era acertar alvos estáticos; o Shootout, cuja missão era acertar nas janelas conforme iam acendendo; e o Dogfight que usava o mesmo sistema do Shootout.
Jogo de tabuleiro ou videogame?
Por ser ainda muito rudimentar, praticamente pré-histórico, o conceito de videogame, ou jogo eletrônico, ainda parecia não estar bem formado. Como pioneiro neste entretenimento, os criadores misturaram o conceito de jogos de tabuleiro ao console.
Por conta disso, o Odyssey vinha não somente acompanhado com os controles e os cartões de circuito, mas com tudo que um jogo de tabuleiro tem direito. Isso incluía dados, tabuleiros, fichas, de poker, tabela de pontuação e, até, dinheiro de mentira. Tudo para expandir mais o conceito de diversão.
A ideia dos criadores era que os jogadores encarassem o console como um tabuleiro digital. Seria uma maneira mais lúdica de aproveitar a plataforma, muito devido aos seus gráficos bastante rudimentares. Aliás, foi uma saída bastante inteligente para driblar toda aquela precariedade gráfica. Vale lembrar que esta ideia foi utilizada também em alguns jogos do seu predecessor – o Odyssey² -, sendo que os três jogos da série estratégia (Quest for the Rings, Conquest the World e Wall Street) foram os que se aproveitaram deste recurso de forma bem interessante.
Batalha judicial: Magnavox x Atari
Poucos sabem, mas o primeiro grande sucesso da Atari – o Pong – foi um plágio do Table Tennis do Odyssey. Quando Pong da Atari foi lançado, logo chamou a atenção de Ralph Baer que exigiu da Magnavox providências, uma vez que o jogo feria o direito de licença do Odyssey e, em abril de 1974, a Magnavox abre o processo contra a Atari.
No embate judicial, a Magnavox demonstrou toda documentação, desde o desenvolvimento da Brown Box, em 1966. Por outro lado, o criador da Atari, Nolan Bushnell, chegou a declarar que viu o Odyssey, dizendo que: “O fato é que eu realmente vi o jogo Odyssey e eu não o achei muito inteligente”.
De fato, durante o evento de demonstração do Magnavox Odyssey, em 1972, Bushnell era um dos convidados e viu de perto o Table Tennis. Ao voltar à Atari, orientou um dos seus desenvolvedores, Allan Alcorn, a trabalhar em algo semelhante e que utilizasse o sistema de moedas dos arcades, então nasceu o Pong.
Após todos os fatos apresentados no processo, Bushnell opta por resolver a questão amigavelmente. Com o acordo, a Atari se tornaria licenciadora do Pong pagando a bagatela de 700 mil dólares. Além disso, a Magnavox teria direito sobre os produtos desenvolvidos pela Atari no decorrer do ano seguinte. Para driblar esse acordo, a Atari decidiu atrasar o lançamento de seus produtos em um ano e, ainda por cima, escondia informações da Magnavox quando seus empregados visitavam as suas fábricas.
Ralph Baer: o pai dos consoles caseiros
Nascido em 08 de março de 1922, na cidade de Pirmasens, na Alemanha, era filho de pais judeus. Em 1933, foi expulso de sua escola pelo simples fato de ser judeu, sendo forçado a ir para uma outra instituição que só tinha crianças judias. Eram sinais do que a Alemanha estava se tornando, principalmente para os judeus nascidos lá. Então, em 1938, meses antes da fatídica Noite dos Cristais. a família de Baer foge para a Holanda, para logo em seguida ir para os Estados Unidos.
Na Segunda Guerra, Baer foi convocado pelo exército americano, o que interrompeu seu empreendimento. Lá trabalhou no setor de inteligência até, mais tarde, ser enviado ao quartel do General Eisenhower.
Baer chegou a ser escalado para atuar na Normandia, no dia D, porém, no treinamento, contraiu uma pneumonia e foi enviado ao hospital militar. No hospital, mesmo acamado, concluiu o curso de álgebra. Em 1949, se graduou no American Television Institute of Technology, como um dos primeiros bacharéis em Ciência da Engenharia de Televisão do mundo.
A partir daí, Baer seria responsável em mudar para sempre o mundo do entretenimento, pois, poucos anos depois, iniciaria o projeto da Brown Box e criaria o primeiro console caseiro do mundo – o Magnavox Odyssey – tornando-se o pai dos videogames.
Ao longo de sua carreira, Baer foi responsável por outras criações, tendo em seu currículo mais de 180 patentes. Além de ter criado os videogames, ele desenvolveu o jogo Genius (Simon, nos EUA) e uma série de grandes projetos eletrônicos, inclusive nos equipamentos de lançamento de foguetes Saturn V da NASA. E, em 2006, foi condecorado com a “National Medal of Technology” pelo presidente George W. Bush, pela criação dos videogames.
Ralph Baer faleceu em 2014, aos 92 anos, deixando um grande legado. Sua criação mudou o mundo como vemos hoje. Os jogos eletrônicos avançaram de um modo que, atualmente são considerados verdadeiras obras de artes. E tudo começou quando um alemão, judeu, naturalizado americano, teve a fantástica ideia de um novo tipo de diversão, de transformar a televisão em um objeto interativo de entretenimento. Graças a Baer temos os nossos tão amados videogames.
Lúcio Amaral é jornalista e advogado pós-graduado em Direito e Processo Trabalhista. Certificado de Estudos Aprofundados em Psicanálise. Ganhador do II Prêmio de Rádio e Jornalismo em Saúde e Segurança do Trabalho, promovido pelo MPT em 2008.