Da nobre casta de relojoeiros e ourives outrora existente aqui na Velha Ribeira, acho que só restam Dedé, que resiste ao tempo, instalado em sua oficina de uma porta só na Doutor Barata – onde, nos fundos, até poucos meses, trabalhava o encadernador Davi – e Rutinha, na travessa José Alexandre Garcia.
Dedé, é remanescente dos tempos de Chico Alencar e Tonheca, dos quais foi contemporâneo e Rutinha é sobrinha-neta do lendário Generino e filha de Avani Ananias de Brito, cujo nome cedeu lugar ao apelido Vandik, pelo qual era mais conhecido e que até bem pouco tempo deu continuidade ao ofício do tio Generino. Trabalhou até receber o chamamento ao qual todos nós estamos sujeitos, perdendo assim a disputa com o tipógrafo Dinarte Bezerra de Andrade, um apostando que o outro morreria primeiro…
Vandik era homem de muitas amizades e as paredes de sua oficina ainda hoje permanecem decoradas com fotos dos amigos. Era frequentador assíduo do antigo café Expresso 56 – cujo nome deriva do ano de sua fundação – para onde “escapulia” durante o trabalho diário para um cafezinho e papo com os frequentadores.
Gostava, também, de uma cervejinha. Mas, mesmo sendo adepto fervoroso da chamada “loura suada”, não se tem notícia de que tenha se afastado do trabalho para curti-la, motivo pelo qual preocupou-se um amigo dos mais chegados, quando o encontrou – no horário do expediente – num dos bares da Ribeira, já na terceira ou quarta garrafa da dita cuja e com a língua quase “não cabendo mais na boca”, quando falava.
Naturalmente, como é comum quando um amigo vê outro em situações como aquela, dirigiu-se a ele:
– Vandik, o que foi que houve? Rapaz, que bebedeira é essa?
– Nada, nadinha mesmo. Eu tô apenas comemorando uma tuberculosezinha…
– Como é? Comemorando uma tuberculose? Que negócio é esse? Home!
– Pois é. Semana passada, como tava sentindo umas dores nas costas, fui ao médico. Ele me examinou do pé à cabeça e notei que se concentrou nos pulmões. E me pediu uma ruma de radiografias e exames de laboratório…
– E daí, Vandik. Ainda não vejo motivo p´ra comemoração.
– Bem, pelo jeito do home e pela cara que ele fez quando tava me examinando, eu fiquei pensando que poderia estar com um câncer. E você pode imaginar o que é a pessoa passar uma semana inteira esperando exames de laboratório, quando nessas horas de expectativas só se pensa no pior? Pois foi o que aconteceu comigo durante os últimos dias. Assim, quando recebi os resultados dos exames e levei-os para o doutor, ele me disse que eu tenho apenas essa tuberculosezinha. E como isso hoje em dia num mata mais ninguém, tô aqui, comemorando.
Vou encher a cara, antes de começar o tratamento…