O Porto de Natal entrou definitivamente na rota do tráfico internacional de drogas. A descoberta da Polícia Federal feita nesta semana, com duas apreensões que totalizam 3,2 toneladas de cocaína, mostra um modo de operação até então inexistente no Rio Grande do Norte. É a primeira vez que a Polícia Federal detecta a atuação de um grande grupo internacional para o tráfico no estado, feito por meio de contêineres de frutas com destino à Holanda.
Um levantamento feito pela reportagem estima que a cocaína apreendida custa US$ 112 milhões (R$ 417 milhões). Essa estimativa foi feita com base no valor do quilo da droga na Europa, de US$ 35 mil, segundo o relatório “A nova geração de narcotraficantes colombianos pós-FARC: ‘Os invisíveis’”, do centro de pesquisa sobre o crime organizado Insight Crime. A Polícia Federal não confirma o valor por razões internas. O delegado Agostinho Cascardo, responsável pelas operações no Porto de Natal, disse apenas que se trata de “muito dinheiro”.
A droga foi encontrada dentro de contêineres de frutas no Porto de Natal, em caixas idênticas às que transportam mangas e melões, durante as fiscalizações da Polícia Federal e da Receita Federal. A exportação de frutas é a principal atividade do porto. Somente este ano, 53 toneladas saíram do local com destino a outros países. A Holanda, destino da cocaína apreendida, recebeu 24 toneladas de frutas em 2019, sendo o principal importador do Rio Grande do Norte, título que ostenta desde 2007.
O tráfico marítimo é um dos meios mais eficientes do tráfico internacional. Os outros meios são o transporte por aviões de cargas e as ‘mulas de carga’, que são as pessoas que traficam a droga no estômago. Ao contrário desses métodos, os navios permitem que toneladas de drogas sejam transportadas de uma só vez e com um custo mais barato.
A maior parte das apreensões de tráfico internacional ocorridas até então no Rio Grande do Norte eram feitas nos aeroportos. A mudança de meio, para o delegado Agostinho Cascardo, não deixa duvidas de que se trata de grupos internacionais de traficantes de drogas.
“O tráfico de drogas funciona como uma cadeia comercial”, diz o delegado. “São vários grupos da produção da droga, o caminho percorrido, até o financiamento e a exportação. Eu não tenho duvidas de que essa quantidade se trata de grupos internacionais de traficantes e são esses caras que eu quero identificar”, acrescentou.
Etapas:
O caminho da fruta até o porto passa por até quatro etapas: na primeira, as frutas são produzidas nas fazendas; na segunda, embaladas, empacotadas e colocadas nos contêineres; na terceira, são transportadas até o porto; e na quarta, são exportadas. As investigações da Polícia Federal ainda não identificam em qual etapa a droga foi incluída nos contêineres, mas o delegado Agostinho Cascardo não descarta nenhuma delas.
Esse modo de operar difere de outros observados em portos do Brasil. O tráfico no porto de Santos, em São Paulo, rota conhecida pelos investigadores, recebe a droga na maior parte das vezes diretamente pelos navios, com traficantes se aproximando com embarcações menores e repassando para a tripulação, não passando pelos contêineres. Nesse tipo de operação há uma rede de propinas pagas a funcionários das empresas exportadoras e do porto.
Há um fator que facilita a operação diferente em Natal: a falta de scanner de cargas. Isso torna a operação mais barata e menos arriscada. Segundo o delegado Agostinho Cascardo, fiscalizar a entrada de drogas sem o scanner entre as centenas de contêineres exportados pelo porto é “como procurar um palito de fósforo específico, dentro das caixas de fósforo dispostas em uma prateleira de supermercado”. “Eu não tenho dúvidas que a falta desse scanner foi um elemento primordial para o porto se tornar uma rota”, acrescentou.
Questionado se também haviam indícios de pagamento de propina, o delegado Agostinho Cascardo informou que as investigações não apontam isso, mas a possibilidade não está descartada. “É possível que passe sem participação de ninguém? É. Assim como é possível que passe sem participação inclusive do dono do contêiner. Isso depende do modus operandi. Às vezes pode ser o dono do porto que está colocando a droga, às vezes pode ser o dono do contêiner que está. Isso a gente não sabe. Só as investigações vão dizer com calma e com tempo”, afirmou.
As empresas donas dos contêineres que possuíam droga não foram reveladas pela Polícia Federal. O delegado afirmou que muito provavelmente elas estão em nome de ‘laranjas’ ou de pessoas mortas para ocultar quem são as pessoas que realizam a operação. “Uma das linhas da investigação é seguir o dinheiro, saber quais as ligações desses ‘laranjas’, quem pagou”, disse.
Origem:
A outra linha de investigação é identificar a origem da cocaína. A tecnologia existente no Brasil consegue indicar a origem a partir de uma espécie de “DNA da droga”. O resultado deve sair daqui a um ou dois meses. Agostinho Cascardo acredita, no entanto, que provavelmente são provenientes do Peru, Bolívia ou Colômbia, países que apresentaram um crescimento na produção da droga, segundo o World Drug Report 2017, relatório produzido pelo braço da ONU para Drogas e Crimes (UNODC). Os portos do nordeste passam a ser uma alternativa mais próxima desses locais, e o Porto de Natal se torna uma preferência porque é um dos poucos sem o scanner.
Iniciada a partir de informações de seis meses atrás, as operações de apreensão no Porto de Natal são recentes e começaram com a intensificação das fiscalizações. Com as duas pontas das investigações (as cargas e a origem da droga), o delegado afirma que a intenção é aproximá-las em um só fio. “A nossa intenção é juntar as duas pontas da investigação e chegar no grupo que está operando”, concluiu.
“Não é dentro do porto que acontece”, diz gerente:
O gerente de infraestrutura e suporte operacional do Porto de Natal, Emerson Fernandes, assegurou que a cocaína encontrada pela Polícia Federal foi colocada nos contêineres fora do porto. “Não é dentro do porto que acontece essa colocação (de drogas)”, declarou na tarde desta quinta-feira, 14. “Todos os contêineres entram com lacre e passam pouco tempo antes de serem exportados, em nenhum instante ele é aberto”.
O tempo estimado entre a chegada do contêiner e a exportação, ainda segundo o gerente, é geralmente um dia. Ele afirma que os responsáveis pelas investigações devem responder onde a droga foi incluída, mas frisou que não é no porto. O gerente também considerou positiva a apreensão “por ter detectado a droga e ter impedido dela sair”.
As fiscalizações que encontraram a cocaína iniciaram com mais intensidade na última semana, a partir da quinta-feira, 7. Até o domingo, 10, haviam sido encontrados apenas rastros de cocaína em dois contêineres. Na terça-feira, 12, e na quarta-feira, 13, foram encontrados 1,2 tonelada e 2 toneladas, respectivamente.
Scanner:
Emerson Fernandes também informou que desde 2010 a administração portuária (Codern) pretende comprar o scanner de cônteiner, mas não recebe verba suficiente para isso. O valor do equipamento é estimado em R$ 10 milhões. O equipamento é considerado importante, mas segundo Emerson o pedido de compra não tem sido atendido. Desde 2010, a Codern passou pela alçada de três ministérios federais e hoje está subordinada ao Ministério de Infraestrutura.
O scanner facilitaria a fiscalização das cargas que chegam ao porto, segundo o gerente. Hoje, as inspeções são feitas por amostragem pela Receita Federal: o cônteiner é sorteado e aberto antes de ser exportado. A Receita informou que a partir das apreensões decidiu intensificar a fiscalização no porto com equipes nacionais que se revezarão.
Fonte: Tribuna do Norte
Imagem: reprodução/TN