A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Rio Grande do Norte suspendeu decisão liminar proferida pelo 4º Juizado Especial da Fazenda Pública de Natal que havia concedido a um contribuinte a suspensão da exigibilidade de crédito tributário no valor de R$ 8.774,66, referente à cobrança do IPTU 2019. A decisão da Turma Recursal atendeu recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Natal, que requereu efeito suspensivo sobre a decisão de primeira instância. As três Turmas Recursais existentes são responsáveis pela apreciação de recursos interpostos contra decisões de 1ª Instância dos Juizados Especiais.
“Determinar o contraditório dentro do processo de avaliação do imóvel, como quer o agravado, para o fim de aferir-se a legitimidade dos critérios objetivos e legais adotados pelo Município, além de ser medida totalmente inócua, porque não impedirá a edilidade de fazer o lançamento tributário no valor que entender devido, equivalerá a inviabilizar a atividade fiscalizatória municipal, pois tornará perene situações ilegais, como a tributação de um imóvel de alto padrão com base em valor muito aquém do determinado pelas balizas legais definidas no art. 25 do CTM”, destaca a juíza Ticiana Nobre, relatora do recurso, em seu voto.
O caso
Em seu recurso, o Município narra que por força da decisão do 4º Juizado Especial da Fazenda Pública foi instado a emitir novo boleto ao contribuinte, com as mesmas condições de pagamento (desconto de 16% e parcelamento) ofertadas anteriormente, no valor correspondente ao IPTU 2018, acrescido apenas da atualização monetária conforme índice previsto na legislação municipal (IPCA-E) de 4,28%, incluindo, no mesmo boleto, o valor correspondente ao pagamento da Taxa de Lixo 2019, não objeto de discussão.
A decisão de primeira instância considerou que a alteração legislativa trazida pela Lei Complementar Municipal nº 171/2018 possibilitou que a base de cálculo do IPTU fosse alcançada por meio da avaliação individual do imóvel para o fim de se quantificar o seu valor de mercado. Contudo, para realizar essa avaliação, a municipalidade deve estar vinculada a critérios objetivos, sob pena de culminar em prática arbitrária do ente público ao impor atualização do valor sem a devida justificativa de sua atuação.
O juízo de 1º Grau considerou que o Município majorou o valor venal do imóvel do autor de R$ 411.825,07 para R$ 1,25 milhão, resultando num aumento do IPTU em mais de 137%, não se sabendo quais critérios de cálculo foram utilizados para a definição desse valor venal. Aponta que o que existe no processo administrativo é apenas uma ordem de serviço para que o auditor fiscal realize a avaliação do imóvel e, logo em seguida, a Notificação com a definição do novo valor, situação que ao ver do Juízo malferiu o regular exercício da ampla defesa e do contraditório.
O Município de Natal sustenta no recurso que o procedimento administrativo de fiscalização deu-se dentro dos parâmetros legais, tomando por base o valor final obtido em processo de avaliação do imóvel para fins de cálculo do imposto de transferência (ITIV), através do qual o contribuinte teve plena ciência acerca do valor venal do imóvel, em processo encerrado em 2011.
Alegou que o Município dispõe de cadastro imobiliário com os dados dos imóveis, dentre os quais padrão de construção, estrutura, topografia, localização, pedologia, sendo próprio do lançamento de ofício, senão a sua própria definição, valer-se o Fisco dos dados de que dispõe para constituição do crédito tributário, sem que haja a participação do contribuinte, ao qual se oportuniza a impugnação posterior ao lançamento.
Decisão
Em seu voto, a relatora do Agravo de Instrumento, juíza Ticiana Nobre, aponta que a possibilidade da concessão liminar de efeito suspensivo só merece acolhida quando presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora. Para a relatora, no caso em análise está presente a fumaça do bom direito.
A magistrada considera que o disciplinamento normativo conferido ao IPTU pelo Código Tributário Municipal observa o princípio da legalidade tributária quando, por lei, fixa a alíquota, a definição da base de cálculo do tributo e o padrão de correção monetária. “O Município, no seu poder/dever de fiscalização tributária, efetua a atualização do valor do imóvel em conformidade com os padrões legais preestabelecidos e, via de consequência, faz incidir o imposto sobre o valor decorrente da atualização”.
A relatora indica que sendo o fato gerador do IPTU a propriedade territorial e predial urbana – a totalidade do bem imóvel, compreendendo o valor do terreno, construção e melhorias – esses fatores estão intrinsecamente conectados com a realidade fática do imóvel – seja em decorrência de benfeitorias efetuadas pelo proprietário ou pela valorização/desvalorização da localidade em que se insere.
“Considerando a natureza fluida do valor do imóvel em conjunto com o princípio da estrita legalidade tributária, tem-se que a lei formal deve estabelecer parâmetros objetivos para a aferição do valor venal do imóvel; enquanto a atividade administrativa, em decorrência do poder de polícia, tem a prerrogativa de fiscalizar os imóveis, aferir seus valores, e classificá-los em observância aos parâmetros legalmente estabelecidos”.
Ticiana Nobre aponta que o Código Tributário Municipal de Natal estabeleceu a avaliação individual do bem como a forma preferencial de aferição do valor venal do imóvel. “A própria legislação estabelece que o valor dos imóveis deverá ser atualizado mediante a atividade administrativa fiscalizatória de modo que, existindo comprovadamente tal procedimento administrativo, não se pode, em sede de cognição sumária e sem oportunizar à Fazenda apresentar defesa prévia, concluir pela sua nulidade, pois paira sobre a atividade administrativa uma contundente presunção de legalidade do seu atuar”.
A relatora afirma ainda que a majoração do tributo ocorreu a partir da realidade fática do imóvel, e que a atualização observa a lei em vigor, sendo efetuada após procedimento previsto em lei. “Logo, não se trata, a priori, de violação ao princípio de legalidade; mas de correta aplicação da norma, existente a priori e inalterada, aos fatos postos à fiscalização administrativa”, entende a magistrada.
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Fonte: TJRN