Crônica: Rotina de um peão da educação

Acordo às 05h30. Num átimo, ludibrio – ou finjo ludibriar – o ribombar de obrigações diárias que desponta em minha mente, rolando de um lado a outro da cama a fim de tirar uma soneca. Entrementes, a sofreguidão logo me apoquenta, dizendo em alto e bom som: “Vai trabalhar, ser indolente!”. Superego de assalariado é rigoroso mesmo. Depois vem a hora da ablução. Confesso que, às vezes, na pressa de chegar cedo ao emprego, esqueço esse pormenorzinho. Em muitas ocasiões tal esquecimento também se estende ao ato de escovar os dentes; para ser sincero, sempre desconfiei da eficácia do flúor.

O desjejum é posto de lado. Mal dá para engolir um copo com leite ou iogurte. Horas mais tarde, ao exigir novas pilhas, o bucho grunhe feito um suíno – e isso durante o expediente. Chego ao trabalho às 6h45, graças à carona amiga de uma tia, companheira de profissão. Jogo conversa fora com os poucos professores que ali estão – “madrugar” não é o forte dessa categoria socioprofissional. Às 7h15, quando todos já estão presentes, o toque anuncia que devemos nos dirigir às salas de aula. É hora da diversão!

Lidar com os rebentos das elites natalenses é uma missão hercúlea. Voluntariosos, alguns deles exigem mundos e fundos do professorado. Afinal, os seus papais pagam o salário dos mestres, meros paus-mandados. O desdém com o qual as empregadas domésticas são comumente tratadas ultrapassa a esfera do lar; o mandonismo dos antigos senhores de engenho deixa rijas reminiscências na conduta das classes dominantes locais.

O retorno a casa dá-se por volta das 13h. O almoço é uma refeição digna: feijão, arroz, salada e, conforme a tradição interiorana, “mistura”, isto é, carne, peixe ou frango. Comida boa e saudável. Nada de fast-food. Aboli essa mazela da minha dieta vespertina. Já aguentamos muitos enlatados estadunidenses para o meu gosto. À tarde, dedico-me a leituras suplementares, elaboração de aulas e atividades didático-pedagógicas, correção de exercícios, enfim, o labor não termina quando saímos da escola. Infelizmente, o tempo dedicado à esposa e ao filho infante sofre um duro golpe. Ossos do ofício?

A ceia resume-se a um Nissin Miojo, troço ruim, porém de rápido preparo. 18h35. O momento de preocupar-se com o segundo emprego. O instinto de sobrevivência fala mais alto. Minha esposa vai me deixar no colégio – as lides da profissão causam-me uma aversão mórbida ao volante. A plateia é outra: alunos do ensino público. Três horas diante de indivíduos que, incrivelmente, estão mais extenuados do que eu – muitos nem conseguem ficar acordados –, devido ao desgaste acumulado durante o dia. No Brasil, pobre trabalha dois turnos e, para conseguir, aos trancos e barrancos, concluir o Ensino Médio, estuda numa escola pública, à noite. Enquanto isso, os políticos brasileiros cevam-se, regozijadores, a expensas do patrimônio público, quase sem trabalhar. Que país é este?!

22h10. Vou-me destroçado rumo ao home sweet home, no ônibus da empresa Cidade das Dunas, linha 33, tão abarrotado de gente, que me dá prenúncios de asfixia. Um quarto de hora depois, chegada ao destino. Um beijo no filho e outro na esposa, ambos já nos braços de Morfeu. Todavia, o sono demora a emergir. A afluência de estresse e o excessivo consumo de café, marca indelével da labutação diária, fomentam, agora, a odiosa taquicardia, problema que acomete boa parte dos educadores em nosso país. Só perto da meia-noite as trêmulas pálpebras prostram-se ante a necessidade imperiosa de acordar cedo no dia seguinte. E a semana está apenas no seu exórdio…

 

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