De repente, do nada, uma preocupação qualquer surge na sua cabeça. Você começa a pensar naquilo, imagina mil possibilidades, tenta prever o que pode ou não acontecer. Então a mente acelera e começa a dar voltas em torno de si mesma: repete muitas e muitas vezes os mesmos cenários, plausíveis ou absurdos, num ciclo impossível de interromper. Quando você percebe, ficou a noite inteira em claro.
Todo mundo já passou por algo assim. A ansiedade faz parte da vida moderna. Sua forma patológica, o transtorno de ansiedade, é a segunda doença mental mais comum do planeta: segundo dados da OMS, 264 milhões de pessoas sofrem desse mal – 14,9% a mais do que dez anos atrás. E o Brasil é o centro mundial do problema: 9,3% da população tem transtorno de ansiedade, quase o triplo da média internacional (3,5%). Na cidade de São Paulo, um estudo feito pela USP chegou a números ainda mais impressionantes: nada menos que 19,9% das pessoas têm a doença. Por ano, são vendidos 26,8 milhões de caixas do ansiolítico Rivotril (e demais remédios à base de clonazepan) no Brasil, segundo dados da empresa IQVIA, que audita o mercado farmacêutico. Seu consumo teve um crescimento de quase 300% na última década (em 2010, os brasileiros compraram aproximadamente 10 milhões de caixas desse remédio).
Nunca estivemos tão ansiosos – e, como você talvez já tenha percebido, isso não está nos fazendo bem. Mas a ansiedade pura e simples não é um transtorno. É uma estratégia bem-sucedida, que há centenas de milhares de anos tem garantido nossa sobrevivência.
Na savana africana, com suas grandes planícies, poucas árvores e muita vida animal, os humanos viviam vulneráveis ao ataque de leões, leopardos, cobras e hienas. Se não fossem comidos por predadores, nossos antepassados tinham que se preocupar com outra ameaça: fome. A comida era incerta, pois eles dependiam da sorte na coleta e na caça.
Uma das estratégias de sobrevivência foi viver em grupos. Mas a vida comunitária trouxe novos problemas. Era preciso fazer força para ser aceito pelo grupo, e não acabar marginalizado ou mesmo expulso dele. O convívio também levava a disputas, geralmente resolvidas por meio da violência: pesquisas arqueológicas revelaram que os primeiros grupos humanos tinham altíssimas taxas de homicídio: 15% das pessoas morriam assassinadas.
Em suma, a vida era dura. E as pessoas que tiveram mais êxito em sobreviver e gerar descendentes, passando seus genes adiante, foram as mais capazes de antecipar as ameaças de predadores, fome, rejeição do grupo e violência. Ou seja, os mais ansiosos.
Hoje, é rara a pessoa que precise proteger-se de cobras e leões. Graças a seu intelecto, o ser humano transformou o mundo. Dominamos predadores, vencemos doenças, produzimos até mais comida do que o necessário e criamos leis para controlar e conter a violência (hoje, os homicídios são responsáveis por 0,005% das mortes no mundo). A vida nunca foi tão confortável, pacífica e próspera. Mas a ansiedade não desapareceu. Temos novas preocupações – o assalto no trânsito, as contas de casa, a manutenção do emprego, a solidão, a quantidade de curtidas nas redes sociais etc. O mundo mudou, mas os medos não desapareceram; se transformaram.
Ansiedade e medo são intimamente ligados – ambos são estados aversivos engatilhados por uma ameaça. Mas o medo é provocado por um estímulo imediato, aqui e agora, como um assaltante armado. Já a ansiedade emerge diante de uma ameaça futura, que poderá ou não se concretizar – como aqueles pensamentos que vêm à cabeça ao andar numa rua escura de madrugada. Se o medo prepara o corpo para reagir imediatamente, a ansiedade nos motiva a evitar a ameaça futura, fazer preparações para ela ou agir para que não ocorra. O que pode acontecer se eu andar numa rua vazia e mal iluminada, de madrugada? Há algum canto de onde pode aparecer um assaltante? Se surgir alguém, devo sair correndo? Essa antecipação de consequências envolve o córtex pré-frontal – a região mais desenvolvida do cérebro humano.
“É provavelmente impossível sentir medo sem também sentir-se ansioso”, afirma o neurocientista americano Joseph LeDoux, autor do livro Anxious (não lançado no Brasil). Afinal, basta ter medo de uma coisa para começar a se preocupar com as consequências dela. “Ver uma pessoa com uma arma induz ao sentimento de medo. Mas a preocupação ou ansiedade rapidamente toma a dianteira, quando você passa a imaginar o que aquela pessoa vai fazer”, diz LeDoux. Da mesma forma, quando você está ansioso e vai caminhar em uma rua escura, pode sentir medo com algo que geralmente passaria batido – como uma sombra ou o barulho de um galho quebrando.
Nossas mentes são propensas à ansiedade. Ela nos trouxe até aqui porque, no grau certo, é benéfica. Mas certas características da vida nas cidades parecem ter dado tilt nesse mecanismo.
Curto-circuito neural:
- Hipervigilância
A pessoa fica hipersensível a riscos, sejam eles reais ou imaginários. A causa, geralmente, é hiperatividade na amígdala (área do cérebro ligada ao medo e à resposta em situações de perigo).
- Incapacidade de relaxar
O córtex pré-frontal, responsável pela consciência, não informa à amigdala que um determinado estímulo deixou de representar ameaça. E ela continua a estimular um comportamento defensivo.
- Comportamento de fuga
Fugir de uma ameaça é uma forma de se proteger dela. Mas a pessoa ansiosa continua temendo a ameaça – mesmo que ela esteja distante.
- Intolerância à incerteza
Pessoas ansiosas têm dificuldade em tolerar incertezas, principalmente quando elas envolvem algum possível risco.
- Supervalorização da ameaça
O ansioso exagera a probabilidade de que aconteça alguma coisa ruim – bem como suas possíveis consequências. Isso gera o chamado estresse antecipatório.
- Controle mal adaptativo diante de ameaças
O controle sobre o comportamento, e sobre a cognição, também fica prejudicado.
Durante cinco anos, o Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (IPq) entrevistou 5.037 moradores da região metropolitana de São Paulo para medir a incidência de transtornos mentais na maior área urbana do Hemisfério Sul. Resultado: 19,9% dos paulistanos sofrem de transtornos de ansiedade – o dobro da média brasileira.
Essa descoberta é especialmente relevante num momento em que as megacidades se multiplicam, impulsionadas pelo êxodo rural nos países em desenvolvimento. Hoje, há 31 cidades com mais de 10 milhões de habitantes; em 2030, serão 41, sendo 33 em países em desenvolvimento. E elas, como São Paulo, afetam a saúde mental de seus moradores.
Embora o estudo não tenha apontado o que causa tanta ansiedade em SP, possibilidades não faltam. “O ambiente urbano de uma metrópole como São Paulo pode exacerbar a sensação de insegurança em indivíduos predispostos ao transtorno de ansiedade”, afirma o psiquiatra Lucas Gandarela, do IPq. Redes familiares menos estruturadas, abusos na infância, maior exposição à violência, uso de substâncias psicoativas e até o alto custo de vida. “Todos esses são fatores de risco para os transtornos de ansiedade”, diz Gandarela.
A violência é um fator gritante. Dos entrevistados pela USP, 54% disseram ter sofrido ou presenciado algum episódio violento traumático – como ser assaltado à mão armada ou ver alguém ser morto. Entre os que sofreram três ou mais episódios de violência, a chance de transtorno de ansiedade é 3,5 vezes maior.
E violência é o que não falta no Brasil. Nós somos o país mais homicida do mundo: temos 60 mil casos por ano. Esse número equivale à soma de todos os assassinatos registrados em 52 países (a lista inclui desde nações de primeiro mundo, como EUA, França e Canadá, até países como Sérvia e Líbia). Isso é uma chave para entender a ansiedade do brasileiro. Mas não explica tudo.
Esfacelamento das relações sociais:
Violência e caos urbano geram ansiedade. Mas eles não são necessários para que uma cidade deixe seus moradores ansiosos. Tanto é assim que mesmo as cidades alemãs, famosas por sua ordem e tranquilidade, têm taxas de ansiedade mais altas que as zonas rurais daquele mesmo país. Foi o que constatou Andreas Meyer-Lindenberg, professor de psiquiatria da Universidade de Heidelberg, em um estudo com 32 voluntários saudáveis. O pesquisador pediu que eles resolvessem exercícios de aritmética, com um cronômetro correndo. A dificuldade foi ajustada para que a taxa de acerto ficasse entre 25% e 40%. “Dizíamos que o desempenho deles estava abaixo da média e sugeríamos, impacientemente, que se apressassem”, conta Meyer-Lindenberg. Enquanto isso acontecia, o cérebro dos voluntários era monitorado com um aparelho de ressonância magnética.
Os cientistas perceberam que, quanto maior a cidade onde o voluntário morava, mais ativada era sua amígdala – a região cerebral relacionada ao medo e as respostas a ele, como fugir ou lutar. Além disso, quanto mais tempo da infância os voluntários haviam passado em uma cidade, maior era a atividade em seu córtex cingulado anterior, área relacionada a emoções negativas. Parece haver forte associação entre vida urbana e circuitos neurais ligados à ansiedade. Pode ser muita coisa, desde a poluição até a hierarquia social instável, com forte desigualdade socioeconômica – que deixa as pessoas com medo de perder o emprego. Ninguém sabe. Mas é fato: o medo de perder o emprego em uma economia frágil como a brasileira provavelmente ajuda a nos colocar no topo do ranking mundial de ansiedade.
Para o psiquiatra alemão Mazda Adli, outro gatilho para a ansiedade urbana, seja no país que for, está numa situação contraditória: embora cidades reúnam multidões, as pessoas frequentemente vivem de forma solitária nelas. “Nossos cérebros não são bem desenhados para viver em metrópoles superlotadas”, diz Adli. “A combinação de densidade populacional e isolamento social produz um estresse típico das cidades”, afirma. Ambientes superpovoados estressam todos os animais, de insetos a primatas. Basta que uma pessoa se aproxime de você para que a amígdala e o córtex cingulado sejam ativados. E as metrópoles têm gente demais. Outro problema é que isso, paradoxalmente, gera relacionamentos mais fracos. Os seres humanos têm um número limitado de conhecidos com quem conseguem manter relações sociais.
Para o antropólogo Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, a quantidade é 150 pessoas. Mais do que isso, o cérebro supostamente não consegue administrar direito (não consegue memorizar o nome, o rosto e as características das pessoas). Dunbar calculou esse número comparando o tamanho do cérebro dos primatas e o número médio de indivíduos em seus grupos sociais. Ele percebeu que havia relação entre uma coisa e outra, e então fez uma conta usando o tamanho do cérebro humano. Acontece que, nas grandes cidades, há muito mais do que 150 pessoas – só no Facebook você deve ter bem mais contatos do que isso. “Nossos ancestrais conheciam as mesmas pessoas pela vida toda”, afirma Dunbar. “Já nós, conforme vamos de um lugar para o outro, podemos perder contato até com nossos amigos mais próximos.” O resultado são relações mais superficiais e passageiras.
Conclusão: a cidade é uma estrutura fantástica, capaz de aproximar milhares de indivíduos para produzir coletivamente; ao mesmo tempo, ela diminui a qualidade das relações humanas. A família estendida (grupo que inclui avós, tios e primos), que era crucial para tribos nômades e sociedades rurais, acaba ficando mais distante. Com o trabalho fora de casa, o convívio com a família nuclear (pai, mãe, cônjuge, filhos) também diminui; ver os amigos, então, só no final de semana. Sobram relações hierárquicas e impessoais, de trabalho ou consumo. Um atendente pode conviver com centenas de clientes por dia, e mesmo assim se sentir solitário.
E isso é perturbador. “Um dos benefícios da vida em sociedade é a proteção mútua. O isolamento pode representar uma circunstância perigosa”, afirma John Cacioppo, diretor do centro de neurociência social da Universidade de Chicago. “O cérebro coloca as pessoas em modo de autopreservação quando elas se veem sem proteção ou assistência”, diz Cacioppo. Você não está sob ameaça de ser expulso do seu grupo social, mas o cérebro acha que sim – e dispara o mecanismo da ansiedade.
As redes sociais surgiram como uma ferramenta capaz de reconectar amigos, familiares e colegas e evitar que vínculos desapareçam. Segundo Robin Dunbar, a maioria das pessoas com quem nos relacionamos nos meios eletrônicos são conhecidos de nossa vida offline. “As redes sociais permitem reconstruir, ainda que virtualmente, o tipo de comunidade antiga onde todos conheciam uns aos outros”, afirma o antropólogo. Mas essa reprodução não é perfeita: o convívio nas redes sociais não tem a sincronicidade de uma mesa de bar – mesmo quando dois amigos veem o mesmo vídeo, por exemplo, cada um ri sozinho. Além disso, as redes sociais alimentam mais uma fonte de ansiedade da vida contemporânea: o excesso de escolhas.
O paradoxo da escolha:
Nunca na história a humanidade teve tantas opções: desde cursos universitários altamente especializados até o fluxo infinito de potenciais matches no Tinder. Em tese, mais escolhas significam mais liberdade, e mais liberdade eleva o bem- estar. Mas não foi isso o que psicólogo americano Barry Schwartz descobriu em seus estudos. “Ela produz paralisia, em vez de liberdade”, afirma Schwartz, autor do livro The Paradox of Choice (“O paradoxo da escolha”, ainda não lançado no Brasil). Com tantas opções, fica difícil decidir – o que gera ansiedade.
Além disso, quando há muitas escolhas, as pessoas acabam menos satisfeitas com a decisão que tomam. Isso pode ser explicado por um conceito básico da economia: o chamado “custo de oportunidade”. O preço de fazer uma escolha é abrir mão de todas as alternativas. Isso vale para tudo: de escolher um filme para ver no Netflix a engatar um relacionamento. Ao optar por uma relação séria com uma pessoa, você automaticamente deixa de lado todas as demais pessoas mais atraentes, mais divertidas e mais boas de cama que sempre estarão por aí. A existência de tantas alternativas acaba elevando as expectativas, e as dúvidas sobre se você fez a escolha certa. Resultado: mais ansiedade.
Para piorar, as redes sociais multiplicaram as opções. Celulares permitem o acesso ininterrupto ao que outras pessoas fazem de suas vidas. As incontáveis atualizações de Facebook, tweets, fotos do Instagram, mensagens de WhatsApp e Snapchat mostram todos os acontecimentos mais bacanas que amigos escolheram compartilhar. Por um lado, isso é bacana. Ficamos sabendo que pessoas de quem gostamos estão vivendo bem. Por outro, isso traz desconforto: cadê você na foto? Será que você está aproveitando sua vida tão bem quanto os seus amigos? Com as redes sociais, o medo de ficar de fora ficou tão comum que até recebeu uma sigla: “FoMO”, de fear of missing out.
O FoMO está diretamente relacionado ao arrependimento, segundo o psicólogo Dan Ariely, da Universidade Duke. Toda pessoa avalia com frequência a própria felicidade. Para isso, não levamos em conta apenas nossa situação atual, mas também cenários alternativos – e as mídias sociais estão repletas de mundos paralelos em que poderíamos viver. Quando, em comparação, concluímos que estamos piores que os outros, sentimos remorso, como se a felicidade alheia fosse nossa miséria. O fato de as atualizações serem em tempo real faz com que o sentimento seja ainda mais intenso. O FoMO surge, então, como uma estratégia de antecipação de uma ameaça futura – ficar de fora. “Ele é como um seguro”, diz Ariely. “Ficamos checando, checando, checando [as redes], para evitar um arrependimento futuro.”
As redes sociais geram ansiedade não só porque mostram constantemente tudo o que você está perdendo, mas também porque alteram a imagem que as pessoas fazem de si próprias. É que as redes servem como megafone para as realizações e lupa para as inseguranças. De um lado, os usuários empenham-se em formar uma imagem desejável de si, com imagens selecionadas de seus melhores momentos, textões lacradores e relatos de grandes conquistas. Mas quem lê esses posts, do outro lado, são pessoas reais, repletas de inseguranças. Com o contraste entre o que os outros buscam parecer e aquilo que nós acreditamos ser, acabamos calculando o nosso próprio valor de forma distorcida.
É o que afirma uma pesquisa da Royal Society for Public Health, na Inglaterra, que foi realizada com 1.479 jovens entre 14 e 24 anos para medir o impacto das redes sociais sobre a saúde mental. “As expectativas irrealistas estabelecidas pelas mídias sociais deixam jovens com sentimentos de insegurança, baixa autoestima e busca de perfeccionismo, que podem se manifestar como transtorno de ansiedade”, concluiu a pesquisa. Nela, os entrevistados avaliaram o impacto de cinco mídias sobre a saúde e o bem- estar. Usuários relataram que Instagram, Snapchat, Facebook e Twitter tinham impacto negativo sobre ansiedade, depressão, solidão, falta de sono, imagem do corpo, bullying e FoMO. Das plataformas avaliadas, o YouTube foi a única a produzir um impacto positivo.
Embora seja apenas uma pesquisa de opinião, o resultado encontra respaldo em um número crescente de estudos científicos. Um estudo da Universidade de Glasgow identificou que os adolescentes que mais usam mídia social dormem pior, têm autoestima mais baixa e níveis mais altos de ansiedade e depressão.
Síndrome do pensamento acelerado:
Transtorno de Ansiedade Generalizada
É caracterizada pela preocupação prolongada e incontrolável com situações da vida (família, trabalho, finanças, saúde, etc). Estudos mostram que, em geral, pessoas com esse transtorno têm a amígdala maior; é possível que a maior atividade dessa região cerebral, ligada ao medo, seja responsável pelos sintomas de ansiedade.
Transtorno do Pânico
A pessoa tem a sensação de que está sendo sufocada ou enfartando. São ataques breves, mas muito intensos. O problema está ligado à hiperatividade da amígdala – provavelmente causada por baixos níveis de GABA (ácido gama-aminobutírico), uma espécie de sedativo natural do sistema nervoso.
Transtorno de Ansiedade Social
O ansioso tem muito medo de ser julgado, humilhado ou ficar envergonhado em situações sociais – a ponto de evitá-las completamente. Estudos constataram que, quando essas pessoas veem fotos de rostos, a atividade de sua amígdala aumenta.
Ou seja: tudo o que elas vivem em situações sociais acaba sendo vinculado ao medo.
O excesso de informação a que estamos expostos tem acelerado a velocidade com que construímos nossos pensamentos. Essa hiperconstrução é tão intensa que, quando não conseguimos gerenciá-la, acabamos transformando nossa ansiedade positiva naquela negativa, que nos asfixia. Sofremos desgaste mental, com consequências para o futuro profissional, emocional e social. É o que o psiquiatra Augusto Cury, autor de vários best-sellers, batizou de Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA). “Qualquer leigo sabe que uma máquina não pode trabalhar em alta rotação continuamente, pois corre risco de aumentar sua temperatura e fundir suas peças. Mas é quase inacreditável que nós não tenhamos a mínima consciência de que pensar exageradamente e sem nenhum autocontrole é uma fonte de esgotamento mental”, escreve Cury no livro Ansiedade: como enfrentar o mal do século (Editora Benvirá, 2017). Ele continua: “A aceleração do pensamento, mesmo se seu conteúdo for positivo, gera um desgaste cerebral intenso, produzindo ansiedade. Não precisamos ter tido uma infância doente para sermos adultos ansiosos; basta uma mente hiperacelerada”, afirma.
Praticamente todo mundo já acordou cansado porque gastou muita energia se preocupando durante a noite. Teve sintomas físicos porque o cérebro, quando fica exaurido, envia alertas como dores de cabeça e nos músculos. Todo mundo já ficou mais esquecido, porque, quando não sabemos gerenciar nossos pensamentos, o cérebro bloqueia certos elementos da memória. “Uma pessoa muito estressada e com SPA pode gastar mais energia do que dez trabalhadores braçais”, diz Cury. “Sábio é quem faz muito gastando pouca energia.”
Vivemos distantes de nosso habitat natural, em cidades impessoais e violentas, bombardeados por informações e conectados por redes sociais muitas vezes nocivas. Tudo isso nos traz ansiedade. Mas, para a psicóloga Kelly McGonial, autora de O Lado Bom do Estresse (Editora Réptil, 2012), não devemos enxergá-la sempre como inimiga. A exposição crônica a situações estressantes derruba o sistema imunológico e predispõe a doenças cardiovasculares. Por outro lado, a resposta do organismo ao estresse libera ocitocina, hormônio que estimula os instintos sociais – e nos faz buscar apoio das pessoas com quem nos importamos. “Quando a vida fica difícil, a resposta biológica ao estresse incentiva você a contar a alguém como se sente, em vez de guardar isso para si”, diz McGonial. O estresse pode nos tornar mais sociáveis.
E é importante responder a esse chamado do corpo. O apoio alheio, quando acontece, aumenta ainda mais a carga de ocitocina. E ela traz benefícios físicos. Ajuda a relaxar os vasos sanguíneos e regenerar células cardíacas danificadas. Torna a resposta ao estresse mais saudável, e você se recupera mais rapidamente. “Ao longo de uma vida estressante”, diz McGonial, “essa mudança poderia fazer a diferença entre ter um ataque cardíaco aos 50 anos ou viver bem até os 90.”
Isso não é mera hipótese. Pesquisadores da Universidade de Buffalo, no Estado de Nova York, perguntaram a quase 850 voluntários o nível de estresse que haviam enfrentado no ano anterior e quanto tempo dedicaram a ajudar pessoas. Passados cinco anos, descobriram que o risco de morte era 30% maior entre os mais estressados. Mas havia uma exceção. Os indivíduos que passavam por muito estresse, mas ajudavam outras pessoas, não apresentaram aumento de risco. Sim: ajudar faz tão bem quanto ser ajudado.
Não há como fugir da ansiedade. Ela é uma adaptação evolutiva que permanecerá em nossos genes, independentemente da prosperidade e da segurança da sociedade em que vivermos. Continuará nos ajudando a sobreviver – e, ao mesmo tempo, enxergar ameaças onde elas não existem. Mas é possível compensar seus efeitos negativos. A chave é nos aproximar das outras pessoas, pedindo ou oferecendo apoio. Mais do que de Rivotril, precisamos viver juntos.
Fonte: Revista Superinteressante
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