Crítica: IO

A Netflix é conhecida por produzir séries de enorme sucesso, tanto de público quanto crítica. Mas injustamente, caiu numa pecha de que não faz filmes com a mesma qualidade que suas séries. Óbvio, que isso passa longe de ser uma verdade! Sim, há longas feitos pela provedora mundial via streaming que ficam muito aquém de seus maiores potenciais. Todavia, vez ou outra, encontram-se algumas pérolas nesse oceano, como os excepcionais Noite de Lobos de Jeremy Saulnier, e Roma de Alfonso Cuarón. Já está disponível também a ficção científica IO de Jonathan Helpert, que se junta aos dois filmes citados em um nível de excelência capaz de instigar meditações profundas sobre nós, humanos e nossa história.

A produção Netflix nos apresenta um planeta Terra devastado onde Sam, uma jovem e filha de um cientista que acreditava ser possível recuperar o nosso mundo de volta, continua o trabalho de seu pai e busca as respostas de como salvar nosso planeta da destruição natural. Com a Terra sendo evacuada aos poucos, levando a humanidade para viver em uma colônia que orbita IO, uma das luas de Júpiter, Sam se depara com um estranho que chega de balão, próximo de onde vive e trabalha. E, com essa chegada, a jovem começa a se questionar se deve partir para a colônia e deixar o planeta ou permanecer na Terra.

Impressiona e comove o trabalho de Jonathan Helpert em IO, ainda mais levando em consideração que este é apenas o segundo longa-metragem na carreira deste cineasta. Não precisa muito para notar que o jovem diretor de 35 anos, poderá criar um belo futuro pela frente, apenas se baseando pela consciência e inteligência emocional apresentada nesta produção Netflix.

Antes de qualquer coisa, é bom ressaltar que IO é o tipo de obra que busca, e consegue, inspirar maiores reflexões do que entreter, na prática. Assim, é tranquilo imaginar que nem todos que assistirem sentiram-se conectados ou apanhados pelo enredo, e também pela linha narrativa executada.

O ritmo da obra de Helpert é parcimonioso, algo que harmoniza lindamente com a cinematografia de André Chemetoff, com seus planos que empenham-se em exaltar a nosso enternecimento e admiração para com nosso planeta. Belíssima a cena que Sam olha para o céu aberto completamente estrelado, com olhar de questionamento, e enquanto isso Helpert coloca sua protagonista e as estrelas ao fundo no mesmo plano, equalizando-as, elevando a indagação de se somos nós, uma força incandescente, e também seu reflexo.

Aí entra o outro elemento responsável por deixar IO da Netflix em um patamar mais alto: a atriz Margaret Qualley, conhecida pela série da HBO The Leftovers, e o filme Dois Caras Legais de Shane Black, além de já ter sido escalada para a próxima produção de Quentin Tarantino, Once Upon a Time in Hollywood. A jovem, que é filha da também atriz Andie MacDowell, apresenta uma performance extraordinária dentro do contexto almejado por Jonathan Helpert. Apresentando as características típicas de um espírito jovem, pouco calejado por uma vida que ainda não conhece profundamente, mas que não deixa de investigar sobre, sempre ansiando por respostas que talvez nunca irá encontrar, e deixando todas, e cada uma de suas fragilidades escorregar para fora de seu corpo. Expondo seu espírito verde, e sua inocência e dúvidas, que contrastam com o ímpeto e esforço em provar as teorias filosóficas de seu pai.

É de se valorizar, duas das audácias empregadas pelo diretor em IO: primeira, a de reconhecer os clichês, com alguns elementos já vistos e explorados em filmes como, Elysium, Interestelar, mas principalmente Wall-E, melhor animação já produzida pela Pixar, e infundir coração em toda a sua narrativa, algo que a trilha sonora melodramática não deixa esquecer de maneira alguma, e que já indica o terreno que será percorrido desde os primeiros minutos, tornando o clichê, mais que uma repetição, e sim, uma reafirmação de uma rotina verdadeira; já a segunda, é o fato de ter feito uma ficção científica que não é sobre ciência, mas sobre fé, e fazer esse mix em um mundo polarizado, nos dias atuais, é grande prova de coragem.

Pela bravura de Jonathan Helpert, IO deixa uma abertura e espaço para meditarmos sobre a compaixão, fé, amor e resiliência. E, nivelando nossa humanidade com o cosmos, o cineasta continua a seguir os princípios indicados por outros autores cinematográficos, como Ridley Scott e James Cameron sobre a ficção científica que é um gênero que alça mais perguntas do que respostas.

Porém, as perguntas não são sobre o quão extenso é o universo, ou o que se encontra do outro lado do buraco negro, e coisas do tipo. As perguntas de Helpert rondam dúvidas do porquê acreditamos em algo que vai além da nossa racionalidade? Ou, porquê resistimos e tentamos recomeçar vez após vez? Ou, do porquê persistirmos por uma renovação sem qualquer certeza de nada em vista?

E, não há nada mais forte do que fazer estas perguntas, ao lado de outras pessoas, que também têm as mesmas dúvidas, de cada um de nós.

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