Uma banda não é composta apenas por músicos e músicas (sem querer fazer trocadilhos e já fazendo…), mas também por muito trabalho que acontece no backstage (ou na “cozinha”, como preferem chamar alguns). Há muito “suor” criativo, envolvendo não apenas a escolha de repertório e a forma de executá-lo, mas também ensaios exaustivos, montagem do setup de palco*, “costura” dos trabalhos autorais etc.
Nesta segunda parte da entrevista buscaremos prestigiar não apenas o público leigo, mas também os “iniciados” em música, comentando aspectos técnicos que compõem a excelência musical alcançada pela banda Stoneglass. Também abordaremos as influências musicais de cada um dos integrantes e como elas atuam sobre a performance atual deles.
E, como prometemos, falaremos ainda sobre trabalhos autorais e o futuro da banda — temáticas que farão a entrevista pegar fogo… vale a pena conferir.
* Nomenclatura usada por músicos para designar o conjunto de equipamentos utilizados em busca da sonoridade almejada.
SETUP MUSICAL:
Essa parte da entrevista nós vamos falar sobre o setup de palco e estúdio que vocês usam. E vamos começar pelo Gabriel: qual é o histórico dessa guitarra semiacústica que você usa?
Gabriel Câmara (guitarrista) – Eu precisava de uma segunda guitarra que estivesse a postos caso alguma corda quebrasse e comecei a pesquisar os modelos, no que resolvi comprar uma semiacústica. Ela é uma Giannini Diamond de 1978, com tremolo, pois esse modelo geralmente não tem a ponte que a minha tem. Foi um achado esse instrumento, só que ele veio todo lascado, a captação parecia uma lata quando plugava no amplificador, jogaram pintura de carro por cima… aí resolvi restaurar ela, levando para um luthier. Ela foi completamente lixada, pintada com tinta preta apropriada para guitarra, trocadas as tarraxas e, pesquisando sobre captação, escolhi instalar captadores Malagoli Custom P90. É algo um tanto estranho de se ver numa semiacústica, mas que deu um som pesado a ela. Troquei também os potenciômetros para 500K, então ela grita… muito! (risos).
Mas você também utiliza outra guitarra… acho que vi uma Stratocaster num dos shows de vocês, não é isso?!
Gabriel Câmara (guitarrista) – Isso, eu tenho uma Fender Stratocaster, que foi a minha primeira guitarra profissional e que escolhi levar para a vida. Também fiz algumas alterações nela… coloquei os potenciômetros de 500K dela na semiacústica e coloque de 250K nela, pois estava muito aguda. Eu gosto muito de utilizar a captação da ponte, mas para o nosso som não estava funcionando muito legal, por isso fiz a troca.
E você Sanches, o que você tem utilizado?
Lucas Sanches (baixista) – Atualmente eu tenho utilizado muito um Epiphone Viola Bass, pois nós tocamos muito Beatles e para esse tipo de som o timbre dele é perfeito.
Ele é o famoso “baixolino”, não é?! Eu pensei que o seu baixo fosse um Höfner 500/1, tipo o do Paul McCartney.
Lucas Sanches (baixista) – Ele é a mesma ideia de modelo, só que ele é a versão da Epiphone. E eu tenho outro baixo também, um Giannini Jazz Bass, mas ele está meio que aposentado agora, porque esse Viola Bass, em questão de timbre, atende muito o que eu desejo. Mas confesso que para tocar outras coisas as vezes ele não tem tanto o “punch” que precisa, sabe?! Então, mais a frente eu quero vender o Giannini, comprar um Fender Precision e ficar com esses dois, para adaptar ao som que eu precisar.
Eu ouvi vocês tocando a música ‘Song 2’, do Blur, que tem uma pegada forte… dá para seguir com o Epiphone Viola Bass ou tem que passar para o Giannini?
Lucas Sanches (baixista) – É com ele mesmo, dá para segurar, mas o ideal seria que fosse em outro…
Gabriel Câmara (guitarrista) – … lembra aquela vez que a gente tocou essa música justamente, você tinha acabado de comprar esse Viola Bass e ainda não estava acostumado com ele, no que a ponte do baixo simplesmente soltou com a corda? Ele basicamente desmontou no palco (risos).
Lucas Sanches (baixista) – (risos) Lembro! Foi um processo para me adaptar, é todo um estilo diferente para se tocar nele, porque é um instrumento muito delicado e a ponte dele é basicamente solta, se você for trocar a corda tem que ser uma de cada vez, pois se tirar todas a ponte simplesmente cai (risos). É só a pressão das cordas que segura a ponte. Por isso que eu toco muito na palheta também, porque se puxar demais a corda ela sai do lugar. Paul McCartney tocava a maioria das músicas de palheta, então o timbre fica parecido quando tocamos Beatles, né?!
E você Abmael, o que você usa?
Abmael Dantas (vocalista) – Eu tenho um microfone da AKG, modelo Dynamic Supercardiod, uma série que creio não está mais sendo produzida. A capitação dele pega um pouco o som que vaza para além do bocal do microfone e gosto porque quando faço algum falsete, ou alguma coisa assim mais suave, ele tem uma resposta melhor. Investi ainda numa mesa e um P.A. para a gente poder fazer esses sons com uma qualidade que a gente aceite, né?! Porque tocar é uma coisa sentimental, espiritual, e as vezes, quando você toca num equipamento que não corresponde, acaba nem se sentindo recompensado ou na vibe.
Você utiliza algum efeito?
Abmael Dantas (vocalista) – Reverb, às vezes, mas eu tento até deixar baixo…
Gabriel Câmara (guitarrista) – … já o meu é “topado”, é o nosso segredo (risos)
Abmael Dantas (vocalista) – (risos) do Gabriel é assim, canal 1 e canal 2, virado mesmo e o meu bem baixo (risos). Teve uma época em que considerei comprar um pedal de efeitos para a voz, mas até então eu venho desenrolando sem.
Sammy, como é a sua bateria, equipamentos de apoio e afins?
Sammy Junior (baterista) – Eu uso pratos Sabian B8 Pro. A escolha deles foi bem simples: eu já tinha gasto bastante com uma linha de pratos chamada Istambul, da Samatya, só que quando eu ia tocar com um pouco mais de ‘punch’, como acontece no Metal, o som espalhava muito. Mas quando o som era samba, pop rock, ele caia muito bem. Então fui fazendo testes com vários pratos e parei no custo benefício Sabian B8 Pro. Com esse mesmo set de pratos eu consigo tocar bem rock n’ roll tradicional, com mais peso e também pop. Porém, ele não é bom para gravação, não dá para usar… já cai melhor os pratos maleáveis… mas para o dia-a-dia dos shows os Sabians são perfeitos. Quanto ao pedal, eu uso o do tipo duplo, da marca Odery, linha Privilege Pd-902. Gosto dele porque a sapata dele é muito bem fixa e eu consigo deixa-lo bem rente ao bumbo, entende?! Porque alguns modelos, dependendo da dinâmica, vão afastando um pouco e posso acabar perdendo o que eu chamo de “double kick”. Uso ainda caixas da Pearl.
E as baquetas?
Sammy Junior (baterista) – Uso baquetas da Liverpool, modelo 7A Marfim, que é a menor e mais leve que há (risos). Eu usava umas da Hickory, mais pesada, mas eu não conseguia ter o rebote na hora que eu queria fazer algumas dinâmicas com o rock. Ian Paice, do Deep Purple, por exemplo, tem um rebotezinho das ghost notes muito interessante… essas de marfim me permitem fazer isso. Então ela se adapta muito bem ao rock e ao pop rock, mas se eu for tocar Metal, aí já utilizo a Hickory.
INFLUÊNCIAS MUSICAIS:
Nessa parte da entrevista, nós gostaríamos de saber um pouco sobre as influências musicais que nortearam o som de vocês. Vamos começar pelo Gabriel: como guitarrista, quais foram as suas influências?
Gabriel Câmara (guitarrista) – Quando formamos a banda eu era bem fechado, só curtia rocks clássicos… me influenciei muito pelos Beatles, né?! George Harrison, mas também por guitarristas de blues. Eu gostava muito de guitarra slide e isso foi uma das coisas que me fez querer solar. Então, eu escutava Muddy Watters, Elmore James, Robert Johnson também… com aqueles padrões todos de afinações abertas. Aí depois de um tempo eu fui me abrindo e entrando no rock alternativo… hoje eu diria que uma das minhas maiores influências seria uma banda dos anos 90 chamada Slowdive. Eles inauguram uma fase minha que chamo de “fetichismo por pedais” (risos)… então tiro muito som de pedal, curto mesmo… timbre é uma das coisas que me preocupo mais, além da execução técnica tradicional da música, entende?! Tenho que estar sempre com os meus reverbs, os meus drives… eu tento usar disso para experimentar o máximo possível, extrair sons que não de uma guitarra, entendeu?!
E você Sanches, quais seriam as suas influências?
Lucas Sanches (baixista) – Hum… eu não tenho assim um baixista que eu pague muito pau, mas… Paul McCartney e o baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones, esses eu posso dizer que gosto realmente. Porque a linha de baixo é algo que marca muito a música deles, saca?! Gosto bastante de riffs e eles fazem muito bem, tem uma assinatura.
E você Abmael?
Abmael Dantas (vocalista) – Cara, eu tenho muita influência do John Lennon, por escutar muito Beatles na minha infância. Mas também do Robert Plant… tem ainda influência do meu pai (Paulo Ricardo/Maguinho da Silva), sempre acompanhei os ensaios dele, muito das coisas do vocal eu acho que puxo dele… Jorge Ben, embora a gente não faça um repertório assim, mas tem algumas assinaturas dele de vocal que… cara…gosto demais e puxo para mim. Mas se eu tivesse que definir uma influência seria o Jeff Buckley. O que esse cara tem de emoção na voz é lindo… é uma coisa atípica… e eu escuto muito, nunca deixei, sempre está lá na minha playlist do Spotify.
E Sammy, quais são as suas?
Sammy Junior (baterista) – A minha primeira inspiração sonora quando estou tocando é um baterista chamado Benny Greb. Ele é um baterista alemão, que tira os maiores grooves que eu já vi. É um cara que consegue ter um campo de coordenação rítmica gigante. Ele consegue juntar e desmembrar gêneros diferentes, com uma linguagem bastante clara, diferente de vários bateristas que só querem mostrar velocidade. Agora assim: a minha inspiração musical quando vou tocar, improvisar, é ele, né?! Mas em relação a inspiração técnica musical aí o Neil Peart (baterista da banda Rush) está lá na frente, né?! Isso no rock. Aqui no Brasil tem também o Edu Ribeiro, do Trio Corrente, né?! Ele é um dos bateristas mais técnicos que eu conheço.
TRABALHO AUTORAL:
Em relação a trabalhos autorais: vocês fazem, pensam em fazer ou não? Eu vi no documentário da banda (‘Stoneglass Doc’ – Confira abaixo) que na sala de aula vocês ficavam imaginando como seria a capa de um LP autoral, o nome da banda…
Gabriel Câmara (guitarrista) – Isso foi logo quando eu conheci Sanches (o baixista) e falava em formar a banda. Na verdade, ele fazia os desenhos e ficava pensando em nomes aleatórios, todos incríveis. E a gente trouxe essa espontaneidade de lá e estamos tentando consolidar um trabalho autoral agora…
Lucas Sanches (baixista) – …no caso, por fora da banda. A Stoneglass em si, em outras formações, a gente pensou e começou a fazer (trabalhos autorais), mas rolou uns desencontros… a gente deu uma pausa (no projeto) e hoje em dia a gente está fazendo covers, né?! Mas vai saber…
Confira o documentário do Stoneglass:
Gabriel Câmara (guitarrista) – Eu acredito que algo que, quando estivermos com esse material todo pronto, a gente também executar com o Stoneglass em uma ocasião, tipo o circuito Ribeira, algo do tipo.
Vou provocar vocês agora: no documentário é dito que a banda se tornou também uma fonte de renda. Vendo a lista extensa de shows já marcados, fico pensando: isso deixou vocês “confortáveis” em seguir executando covers e deixar o trabalho autoral de lado, ou isso realmente vai rolar?
Gabriel Câmara (guitarrista) – Eu não posso responder pela banda, mas até certo ponto eu estou satisfeitíssimo com a situação onde se encontra a Stoneglass. Mas é muito do meu desejo ainda colocar um trabalho autoral sim… não sei se com ou sem a Stoneglass.
Confira abaixo “Another Day“, música autoral de Gabriel Câmara e Lucas Sanches:
https://soundcloud.com/user-83940345