No último ano em que o Governo do Rio Grande do Norte investiu dinheiro público na compra de livros para o acervo da Biblioteca Pública Câmara Cascudo, o Brasil sofreu com as mortes do piloto Ayrton Senna, do humorista Mussum, do poeta Mario Quintana e do maestro Tom Jobim.
Um contraponto à alegria que rompia 24 anos de jejum com o tetracampeonato mundial nos EUA e o otimismo gerado na economia brasileira, a partir da implantação do Plano Real. Também naquele ano, o mundo ganhava uma batalha importante contra o racismo ao reverenciar a posse de Nelson Mandela como o primeiro presidente negro da história da África do Sul.
Todos os fatos históricos narrados na abertura desta reportagem aconteceram em 1994, ano em que o Governo do Estado renovou o acervo da Biblioteca Pública Câmara Cascudo pela última vez. Nos últimos 25 anos, segundo o diretor geral da Fundação José Augusto Crispiniano Neto, o Executivo não destinou nenhum centavo na compra de livros para a biblioteca. Nesse período, subiram a rampa da governadoria Garibaldi Alves (MDB), Fernando Freire (MDB), Wilma de Faria (PSB), Iberê Ferreira de Souza (PSB), Rosalba Ciarlini (DEM) e Robinson Faria (PSD).
A principal biblioteca do Estado que leva o nome do maior pesquisador sobre cultura popular do país ficou fechada por quase 10 anos. A maior parte do acervo, de aproximadamente 100 mil livros, ficou armazenada num espaço da Cidade da Criança. Em 2019, às vésperas de ser reaberta para o público, o Governo anuncia que vai investir R$ 220 mil em novas obras, priorizando autores e editoras do Rio Grande do Norte.
A ideia é comprar exemplares de autores locais e livros publicados por editoras do Estado, independente da origem do escritor que assina a obra.
Crispiniano Neto explica que a equipe jurídica do órgão vai analisar se o melhor caminho é abertura de um edital ou de uma licitação para realizar a compra:
– Vamos focar nos autores potiguares. Precisamos ver ainda o instrumento jurídico adequado, se vai ser uma licitação, edital ou chamada pública. Resolveremos esse impasse primeiro para não deixar de contemplar um bom autor. E também editoras locais que lançaram bons autores de fora”, afirma Crispiniano, citando autores como Nei Leandro de Castro e Homero Homem como autores potiguares que tiveram obras publicadas por editoras de outros estados e que também devem ser contemplados.
O gestor reconhece que a verba disponível é muito pequena, mas destaca o tempo em que o acervo não é renovado com recursos próprios do Governo:
– Estou conferindo em torno de R$ 220 mil para compra de acervo, mas sei que é insignificante para o mundo editorial brasileiro. A quantidade de lançamentos não chega perto desse valor. Mas faz 25 anos que o Governo não compra um único exemplar para o acervo da biblioteca Câmara Cascudo. É um quarto de século, muito tempo”, avalia.
Governo Robinson entregou Biblioteca sem habite-se e acesso ao público
Em solenidade realizada em 20 de dezembro do ano passado, o ex-governador Robinson Faria (PSD) inaugurou o prédio da Biblioteca Pública Câmara Cascudo sem acesso para o público. Falta o habite-se do Corpo de Bombeiros e algumas licenças, além de uma subestação de energia. O investimento foi de R$ 1,6 milhão, com recursos do programa Governo Cidadão via Banco Mundial.
Crispiniano Neto estima a reabertura do espaço somente no 2º semestre deste ano:
– O Governo passado entregou a obra, mas não tem condição nenhuma de funcionamento. Além da licença e do habite-se do Corpo de Bombeiros, falta uma subestação de energia, o que impossibilita a instalação de aparelhos de ar-condicionado. E sem ar-condicionado não é possível abrir para o público. Queremos reabrir a Biblioteca em até seis meses, mas o acervo vamos cuidar logo”, explica.
A gestão passada divulgou que, de modo geral, a recuperação da Biblioteca Câmara Cascudo contemplaria os serviços na cobertura, instalação hidráulica e elétrica, climatização, combate a incêndio, elevadores, plataformas e acessibilidade, pisos e revestimentos, esquadrias de alumínio, grades de proteção e sistema de segurança.
Crispiniano Neto encerrará um ciclo quando a biblioteca Câmara Cascudo for reaberta. O espaço foi fechado ainda na primeira gestão dele à frente da Fundação José Augusto, em 2010. O gestor lembra que a falta de manutenção levou a problemas elétricos que poderiam causar um estrago ainda maior ao prédio e, principalmente, ao acervo:
– A gente fechou primeiro para visitas à noite e depois fechamos tudo. Houve um problema elétrico, chegou a cair fogo no chão. Acho que foi uma atitude importante tomada na época, principalmente depois que houve aquele incêndio no Museu Nacional. Os problemas elétricos da biblioteca não foram detectados na área do acervo, mas se eu não fechasse para a reforma poderia ter acontecido o pior”, diz.
Editora Jovens Escribas fará primeira doação à biblioteca Câmara Cascudo
Embora não tenha investido dinheiro público na aquisição de novos livros, a Biblioteca Câmara Cascudo recebeu algumas doações no período. A última delas ocorreu em fevereiro de 2018, segundo a ex-diretora Isaura Rosado, que recebeu 20 mil novos títulos do governo Federal por meio do programa Agentes de Leitura, via Ministério da Educação.
Na nova fase da Biblioteca, a editora Jovens Escribas já se antecipou e anunciou uma doação de aproximadamente 100 exemplar de livros já publicados pelo selo. Segundo o editor, escritor e publicitário Carlos Fialho, a Jovens Escribas já publicou 160 títulos de mais de 100 autores diferentes.
Fialho enviou uma carta endereçada à governadora Fátima Bezerra, ao diretor geral da FJA Crispiniano Neto e ao corpo técnico da biblioteca Câmara Cascudo. No documento, ele cita o “obscurantismo que aflige o país” e anuncia a doação. Abaixo, a carta na íntegra:
“Recentemente, Natal e Rio Grande do Norte foram contemplados com a conclusão e entrega das obras de reforma realizadas na Biblioteca Pública Câmara Cascudo. No entanto, ao anúncio de término dos trabalhos por parte do Governo do Estado, seguiram-se notícias dando ciência de que o acervo existente precisa ser organizado e que novos títulos devem ser adquiridos para serem disponibilizados a estudantes e população em geral.
Por isso, com o intuito de contribuir com este importante equipamento público, cujo retorno é mais do que simbólico ante a vigente onda de obscurantismo que aflige o país, a ESCRIBAS EDITORA anuncia a doação de um exemplar de cada título ora disponível em nosso estoque.
Promover o acesso livre e gratuito ao conhecimento impresso nas páginas dos livros é uma nobre missão a que se dispõe a Biblioteca Pública Câmara Cascudo. Portanto, nossa casa editorial tem por dever de ofício e coerência com os valores por nós cultivados, participar ativamente deste processo através da cessão de nossas obras sem qualquer custo ao poder público.
Na expectativa de que aceitem nossa oferta, desejamos um ótimo trabalho a todos”.
Procurado pela agência Saiba Mais, Crispiniano Neto comemorou a doação:
– Recebemos com muito prazer. O acervo geral está precisando de muito investimento.
Fonte: Agência Saiba Mais
Imagem: reprodução/Portal no Ar