A primeira vez que ouvi o som da banda Stoneglass foi através de um arquivo de áudio enviado pelo consagrado radialista e jornalista, Rô Medeiros, que dizia enfaticamente: “escuta isso! Saca o som dessa banda!”. Expert em música, se ele estava tão empolgado assim, com certeza valeria a pena ouvir… e como valeu. Assim que escutei os primeiros acordes da guitarra de Gabriel Câmara executando Pink Floyd, parei o que estava fazendo e comecei a teclar: “manda mais!”. Poderia ser apenas outra banda de cover executando músicas dos veteranos do rock progressivo, mas a qualidade com que o faziam deixava claro que eu estava diante de algo realmente diferenciado, destinado a grandes vôos, nada menos.
Os petardos sessentista continuaram (assim como os arquivos de “zap-zap”…), num repertório rico que prestigiava não apenas os clássicos aclamados, mas também os chamados ‘lados B’ — conhecidos apenas pelos verdadeiros entusiastas do rock. O baixo poderoso de Lucas Sanches ainda trovoava acordes através do meu celular quando perguntei “quem são esses caras?”, imaginando uns coroas cabeludos, grisalhos e calejados pela “long rock n’ roll road”, mas qual não foi a minha surpresa ao me deparar com a imagem de ‘meninos’ fazendo som de gigantes.
O que mais chamou atenção neste sentido, não foi a juventude tenra do grupo, mas sim as interpretações verdadeiramente permeadas pelo espírito da época em que as músicas tinham sido feitas (60’s, 70’s e 90’s). Não era como se ‘reproduzissem’ ou ‘interpretassem’ algo, mas sim como se fossem legítimos representantes do período… mas como isso era possível? É o que revelaremos, com exclusividade aos leitores do JOL RN, nessa entrevista dividida em três partes, onde abordaremos desde aspectos técnicos de palco, passando por detalhes da história da banda e indo até ao processo de composição alicerçada na amizade verdadeira dos integrantes.
Uma coisa que chama a atenção de cara é que, apesar da pouca idade, vocês pegam uma música dos anos 60 e tocam com a desenvoltura de alguém que viveu aquela época, com a mesma paixão e os sentimentos do período. Como é que começou isso para vocês?
Lucas Sanches (baixista) – Eu realmente não esperava entrar para a música assim, poder dizer que sou músico e tal… eu só gostava muito. A minha maior influência sobre o estilo de som que a gente toca são os meus avós, por causa de Beatles que eles apresentaram para mim. Eu escutei desde pequeno, mas não era assim “ah, é a minha banda preferida”, mas foi a minha primeira experiência de música. Depois, quando eu tinha já uns 12 anos, botei na minha cabeça que gostava de rock e escutava os sons da época: Linkin Park, Red Hot Chilli Pepers… e nesse período eu ganhei uma guitarra, nem sei de onde veio isso, mas eu ganhei e eu ia começar a aprender, mas deixei de lado… e só comecei a tocar quando conheci eles (os outros integrantes da banda). Porque eu cheguei na escola e eles tocavam… aí eu os vi tocando e me motivei, comecei a aprender e andávamos sempre juntos, sempre compartilhando experiências. Então eu comecei a mostrar o que eu escutava e assim a gente fez esse intercâmbio de gostos musicais, aonde muita coisa a gente já tinha em comum.
Gabriel Câmara (guitarrista) – Já eu, nessa história, acho que fui o “pentelho” (risos), pois no ensino médio tinha essa obsessão: “tenho que formar uma banda” e acho que perturbei tanto o juízo desses dois (Lucas Sanches e Abmael Dantas) que acabou acontecendo (risos). Diga se não foi assim?! (diz, apontando para os outros integrantes). Eu já tocava a mais tempo, dava “palhinhas” com bandas de Natal, principalmente com Os Grogs, Giancarlo Vieira (vocalista dos Grogs) é muito amigo do meu pai, inclusive o avô dele é baterista da banda (aponta para Lucas Sanches)…
Lucas Sanches (baixista) – …Esse foi outro motivo pelo qual a gente começou a tocar junto, pois as famílias já eram amigas, né?! Eu já tinha ouvido falar de Gabriel, mas não sabia quem ele era (risos).
Gabriel Câmara (guitarrista) – E eu sabia quem ele era, mas nunca tinha conversado, aí pensei “vou caningar esse boy!” (risos).
Lucas Sanches (baixista) – …E por acaso a gente acabou indo estudar na mesma escola!
Gabriel Câmara (guitarrista) – Eu já conhecia Abima (apelido de Abmael, vocalista) a muito tempo. Eu levava o violão para a escola e ele cantava muito bem, era o boy mais afinado que eu tinha ouvido cantar (risos), e a gente curtia muito tocar Pink Floyd na época, não era nem tanto Beatles, né?! (pergunta a Abmael) Aí eu pensei “porque não formar uma banda com esses boys?”, aí quando ele (Lucas Sanches) entrou lá na escola eu fiquei sabendo que ele era neto do Toni (McCarthy) dos Grogs e eu cheguei junto que nem um stalker (perseguidor, em inglês)… eu acho que ele ficou meio paranoico na primeira semana, mas deu tudo certo (risos).
Abmael Dantas (vocalista) – A gente na época gostava muito de clássicos (do Rock), acho que por conta da família, né?! Meu pai também é músico, Paulo Ricardo, mas o nome artístico é Maguinho da Silva e foi ele quem me apresentou Pink Floyd num momento em que eu estava mais propenso ao atual, entende?! E ele me apresentou várias outras coisas que eu deixei em stand by, mas que, quando decidi que ia aprender a tocar violão, eu retomei e comecei a curtir demais. E eu ia sempre perguntando para ele a respeito e também apresentava bandas que ele não conhecia, que eram mais atuais, foi muito legal. A minha mãe também me apresentou muita coisa, mais nacionais, mas ambos sempre me apresentaram rock. Aliás, acho que foi até uma surpresa para eles que eu escolhesse fazer o curso de T.I. (Tecnologia da Informação), acho que ele gostaria mais que eu tivesse escolhido música (risos).
O seu pai (Maguinho da Silva) hoje em dia tem uma pegada mais próxima de uma MPB alternativa. Isso influencia você de alguma forma? Puxa para o “mal caminho” e sair do rock (risos)?
Abmael Dantas (vocalista) – (risos) Não, não, ele dá o maior valor ao nosso repertório. A gente conversa muito sobre os projetos dele, inclusive eu ajudo na parte da T.I. dos projetos que ele pretende dar continuidade agora… mas assim, eu sempre fui de escutar muito tudo, né?! Inclusive do repertório dele. Eu sempre ia com ele na Cidade Alta, ali no Beco da Lama, curtia todo tipo de som… então assim, para mim essa influência é muito boa.
Ele vai do samba ao rock numa só pegada, né?!
Abmael Dantas (vocalista) – Ele tem uma descrição num disco que ele lançou que é mais ou menos uma aglutinação de vários estilos, de vários gêneros musicais, para ele tentar definir algo que na verdade nem precisa ser definido, porque é música, né?! E música é música. Mas essa influência acontece, porque a gente troca experiência, toda vez que ele faz uma nova gravação ele me manda… “saca aí essa nova gravação, mudei tal coisa, adicionei metais” e pergunta a minha opinião… então assim, tem aquela troca. Ele também já me ensinou muita coisa em cantar, inclusive expressar o sentimento mesmo através da voz.
Sammy (baterista), você não vai escapar não (risos). Esses meninos nasceram com o DNA da música e você, qual a sua história com a banda?!
Sammy Junior (baterista) – Quando eu conheci a banda ela já tinha cerca de 03 anos e atualmente estou a 01 ano com eles. Eu os conheci num evento, onde eu estava tocando com outra banda. Eu já tinha ouvido falar dos caras, num cenário bem mais clássico, Beatles e tal, mas até então nunca tinha visto tocar. E me chamou muito a atenção a qualidade do som deles, tudo bem redondinho, nem parecia que eles eram tão novos. Quando terminou o som, eles eram aquela coisa meio assim (faz pose de timidez, olhando para baixo), talvez pela pouca idade, não sei, não era aquela interação que hoje em dia eles têm. Pouco tempo depois, em um outro evento, entrei em contato com o Gabriel, porque eu estava precisando de alguém para tocar guitarra e fiz um teste com ele, pois todos os guitarristas que eu tinha entrevistado antes não tinham conseguido tirar o som que eu propus, mas ele conseguiu. Depois foi ele que me convidou para fazer um som faltando 05 dias para tocar! (risos) “a gente vai ter quantos ensaios?” “acho que 01 ou 02”, “ok, me manda o repertório, estou dentro!”… foram 02 horas e alguma coisa de som, duas cordas dele toraram antes de terminar, ele olhou para mim e disse “puxa qualquer coisa, segue tocando e a gente vai!”. E o público amou! Então foi assim que começou para mim.
O que você tocava antes de entrar para a Stoneglass?
Sammy Junior (baterista) – Já toquei guitarra, baixo, violão… mas são instrumentos que eu não toco mais. A gente vivia tendo problema com bateristas, então decidi que eu mesmo iria e os problemas acabaram (risos). Porém, o fato de conhecer esses outros instrumentos, acaba facilitando muito a interação com os outros integrantes, entende?! Facilita eu ajudar a transpor o que eles querem dizer.
Qual era o seu estilo de tocar no início e o que mudou com o Stoneglass?
Sammy Junior (baterista) – Eu escutava muito Pink Floyd, mas ao mesmo tempo ouvia Sepultura; e ao mesmo tempo que escutava Sepultura, também ouvia Beatles, entende?! Como baterista eu comecei no Metal, toquei em várias bandas do tipo. Aí fui para o Psicodélico, Progressivo… Rush, eu tenho uma admiração muito grande por essa banda por causa da bateria e por aí vai. Atualmente eu escuto muito Jazz, muito samba, Brazilian Jazz, em questão de estudo mesmo, né?!
Você tem 15 anos tocando profissionalmente bateria, é mais velho que os outros integrantes (Sammy tem 34 anos, enquanto a média do grupo é de 20 anos), o que você acha que a sua experiência agrega ao grupo?
Sammy Junior (baterista) – A interação que nos temos hoje no palco é algo além da música, entende?! Quando eles estão bem no palco eu me sinto mais a vontade e o “bem” que eu falo é aquele feedback positivo do público, sabe?! Quando tudo está bem encadeado, eu sinto que eles conseguem entender a minha linguagem e eu a deles, só de olhar. É algo recíproco: o que eles tem de contribuição para mim é dizer “solte a sua linguagem, faça o que você consegue fazer” e eu contribuo com eles no “fiquem a vontade, eu estou acompanhando vocês, para o que der e vier! Aonde vocês forem eu estou atrás e seguro”.
Lucas Sanches (baixista) – Posso falar também, sobre o que eu acho que ele contribui? (todos respondem em coro que sim). Primeiramente, ele tem mais experiência que a gente, então ele sabe dizer “isso aí eu já fiz, não é tão legal” ou “é mais legal”, está ligado?! As vezes somos convidados para tocar em cantos em que ele já tocou, com outras bandas, ele já sabe dizer como é lá, “esse canto dá um público assim”. Então, ele tem mais experiência como músico, com mais conhecimento teórico, então as vezes a gente está enganchado num canto e ele dá a solução, entende?! “A gente ir por esse caminho aqui, tá ligado?!”. Sammy é mais desenrolado.
Abmael Dantas (vocalista) – Mas isso vai até na coisa da organização dos eventos também, saca?! Quando você tem pouca experiência muitas vezes você vai tocando no automático e esquece de organizar algumas coisas, como a estrutura de show, repertório… como ele já tem experiência, ela já vai dizendo “vamos organizando os ensaios e tal”… então, depois que ele ficou realmente com a gente, ficamos mais organizados, fizemos alterações. Então hoje nos preocupamos com a estrutura de repertório, que a gente pode alterar de acordo com um público “X” ou “Y”… então, essas coisas assim, na hora do palco, contam muito. Melhora a confiança, a agilidade… então ele trouxe essa contribuição para a gente.
Gabriel Câmara (guitarrista) – Acrescentando aqui, na musicalidade, o Sammy é o baterista mais incrível com quem eu já toquei. Ele trouxe essa organização para a banda e, assim como eu, vejo ele como um cara muito pesquisador. Ele não é só tipo assim “vou ouvir esse som e vou tocar aqui”, não: ele vai atrás de saber a história dos caras, da música, como era a gravação de estúdio daquela época, como funciona o bumbo dessa música… e isso acaba contribuindo muito para Sanches (baixista) também, essa conversa do bumbo com o baixo… esse conhecimento e essa segurança que ele traz para a gente cria uma dinâmica muito boa nos shows… a gente está aqui, numa música super lenta, numa vibe “X” e se a gente quiser “explodir” é só um olhar que vai dar tudo certo.
APOIO DOS PAIS:
Além do inegável ‘DNA musical’ dos integrantes da banda, chamou a atenção da equipe de reportagem do JOL a postura louvável dos pais de Gabriel Câmara, que desde o início não apenas deram todo o suporte logístico aos músicos, mas, principalmente, ampararam a iniciativa deles com sabedoria, respeito e proteção. E foi por mérito inegável deles que decidimos incluí-los como entrevistados, pois são parte da fórmula secreta que compõe o sucesso do Stoneglass. Além do mais, ambos são duas figuraças maravilhosas, confiram:
Como começou isso para vocês, como pais, em relação a eles? Vocês sempre apoiaram?
Cátia Câmara (mãe do Gabriel) – Gabriel, na minha barriga, já ouvia música desde sempre! Acho que ele já nasceu com esse dom e a gente também é muito ‘musical’ lá em casa. Desde que percebemos que o Gabriel tinha essa vocação para a música começamos a incentivar, compramos violão de brinquedo, sanfona, bateria… e quando ele chegou aos 09 anos nós compramos um violão de verdade e aí ele foi aprendendo a tocar, aos poucos. Na escola ele tinha aula de música, se apresentou algumas vezes e isso foi crescendo, né?! Aí veio aquela coisa dele mesmo de querer uma guitarra e nós compramos, pois sempre fomos incentivadores, gostamos muito disso, temos uma mente muito aberta, nada de tradicional é com a gente! (risos). Teve gente que disse: “vocês estão loucos? Seu filho poderia estar fazendo qualquer coisa e está fazendo música”, mas nós sempre fomos incentivadores da música na vida dele e isso fez com que ele se encontrasse nisso. Então, no momento em que ele disse “eu quero música para a minha vida”, então eu disse “beleza, se é isso o que você quer então vamos fazer isso” e foi o que aconteceu.
Genésio Oliveira (pai do Gabriel) – Acho que o Gabriel consegue ser o que eu não fui. Eu sempre fui incentivado a música, mas nunca dei sequência. Mas eu sou um fissurado em música e ter um filho músico é a realização de um sonho. E sobre incentivar, eu aprendi desde muito cedo que você só consegue realmente ser alguém na vida se fizer aquilo que gosta, né?! Eu não sou aquele pai que vai impor ao filho que ele tem que fazer aquela faculdade “X”, porque isso que dá status, que dá grana… não; o que me importa é a realização dele. E a gente dá todo apoio logístico, financeiro, apoio moral… tudo. Hoje mesmo, às 03 da manhã, estávamos os três conversando sobre música, projetos etc.
O que vocês, pais, escutam de música em casa?
Genésio Oliveira (pai do Gabriel)- Eu escuto hoje, basicamente, o que ele escuta. Hoje ele tem uma bagagem musical infinitamente superior à minha. Ele me renova! Então as vezes a gente está no carro e ele põe algo para tocar, no que eu já pergunto: “Gabriel, que som é esse?” e ele me passa o histórico da banda todinha. Porque eu fiquei preso no espaço dos anos 70 até meados dos 80 e de lá para cá muita coisa se renovou. Ele (o Gabriel) está no “novo” e volta ao “passado”, aonde ele vai beber na fonte para entender o que está acontecendo hoje.
Mas das antigas, o que vocês ouvem?
Genésio Oliveira (pai do Gabriel) – Eu sou fã incondicional dos (Rolling) Stones. Eu sempre fui daquela vibe da rivalidade entre Beatles e os Stones, ele (o Gabriel) que me fez gostar também dos Beatles, ele puxou, né?! (risos). Eu me lembro que quando eu tinha a idade deles, lá no Ceará, num sítio a 40km de Fortaleza, não existia essa tecnologia de hoje, né?! Mas eu era muito curioso e tinha um amigo que trabalhava como locutor de rádio em Fortaleza. Ele era um grande colecionador de discos de rock e recebia aqueles exemplares das gravadoras, que não podiam ser comercializados, né?! Então era ele quem abastecia, com Stones, Beatles, Led Zepellin, essa raça todinha das antigas. Então a gente ouvia lá no sítio, todo final-de-semana, tomando uma biritinha e curtindo isso.
Cátia Câmara (mãe do Gabriel) – Eu escuto de tudo, mas desde a adolescência, por volta dos 14 anos, eu escutava muito Pink Floyd, todos os discos! Uma amiga minha levava para a minha casa aquela pilha de discos e a gente escutava até (risos). Mas eu também amo Queen, U2 também, mas também tem as coisas dos Rolling Stones, que eu aprendi a ouvir mais com eles…
Genésio Oliveira (pai do Gabriel) – Mas não é nem só Rolling Stones, né?! Tem o The Who…
Cátia Câmara (mãe do Gabriel) – É, tem o The Who, os Beatles… mas eu gosto muito do rock nacional e internacional dos anos 80 também. Aí tem coisa dessa época que o Gabriel pergunta “mãe, você conhece essa banda?”, aí eu digo “conheço! Dancei muito na domingueira da Flash” (risos). Então, a gente curtia muito essa coisa dos anos 80 bem misturado… Titãs, Paralamas, Legião Urbana, Nenhum de Nós, Ira, Hanói Hanói, Plebe Rude, Camisa de Vênus, Zero… eu vou longe se me deixar falar (risos).