A área financeira do Governo do Rio Grande do Norte é a quarta em estado de calamidade nos últimos quatro anos. Um ponto central do estado de calamidade é o maior diálogo entre Estado e União para a transferência de verbas: com os três decretos anteriores, R$ 677 milhões do Governo Federal foram transferidos pela União para as áreas da segurança, saúde e sistema penitenciário, de acordo com o levantamento feito pela Tribuna do Norte.
Se contar com a situação de emergência da seca, que tem um grau menos grave que o estado de calamidade, o valor transferido ao Rio Grande do Norte foi de R$ 737 milhões. Essa situação é mais antiga: o primeiro decreto é de 2012, sendo renovado por 12 vezes. As ajudas emergenciais, incluindo a de combate à seca, serviram principalmente para pagar salário de servidores, comprar equipamentos, reformar prédios, contratar operações e construir adutoras.
Os maiores contingentes foram na área da saúde: com o estado de calamidade decretado em junho de 2017 e prorrogado até o fim de 2018, R$ 515 milhões foram recebidos para pagar fornecedores, cooperativas médicas e servidores, reabrir leitos hospitalares, comprar equipamentos. A segurança pública teve R$ 225 milhões prometidos há um ano, mas efetivamente recebeu cerca de R$ 100 milhões e outros R$ 80 milhões estão previstos para este ano. Já o sistema penitenciário teve uma reserva de R$ 62 milhões, mas somente R$ 7,7 milhões foram utilizados.
O Governo Federal ainda precisa reconhecer o estado de calamidade financeiro para expandir o diálogo sobre transferências e priorizar o RN no uso de recursos de fundos. Mas, segundo especialistas em Direito Constitucional ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE, o Governo Federal não tem a obrigação de reconhecer. Eles afirmam que a calamidade em situações financeiras é questionada por alguns juristas, apesar de ser mais aceita após o Rio de Janeiro decretar a calamidade na área em 2016. O Estado tem uma dívida de R$ 2,6 bilhões com salários de servidores, pagamentos de fornecedores, retenção de consignados e repasses obrigatórios na área da saúde. O déficit orçamentário de R$ 1,8 bilhão também é uma das justificativas do decreto.
A governadora Fátima Bezerra anunciou que entrou em contato com o Tesouro Nacional e marcou uma reunião para a próxima semana, com a intenção de explicar a situação financeira do Rio Grande do Norte, cuja calamidade foi decretada pela governadora na última quarta-feira (2). Segundo o Procurador-Geral do Estado Luís Marinho, o Governo Federal deve reconhecer e assumir a responsabilidade de ajudar. “A Constituição diz que somos uma federação. Quando um ente da federação está em calamidade a União é responsável por ajudar”, afirmou.
A declaração de Luís Marinho agrega à da própria governadora, no momento em que anunciou a calamidade. Fátima foi enfática ao dizer que o decreto põe o Estado em condição de buscar “com mais efetividade a ajuda do governo federal”, mas sem que a busca seja um “pedido de favor”. “Vou cobrar o direito que o povo do Rio Grande do Norte tem. Na medida em que o governo federal deve fazer sua parte e dar sua colaboração”, disse ela.
Se a situação for reconhecida, a União pode enviar transferências sem necessidade de devolução. O Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, dois estados que estão em estado de calamidade financeira, receberam os aportes ainda em 2016. O decreto do Rio Grande do Norte utiliza os dois Estados como base.
Página 2 de 2 O sistema penitenciário do Rio Grande do Norte foi a primeira área – excetuando os decretos da seca – a ter a situação decretada, em 2015, e ainda está em vigor. Em 2017, foi a Saúde que decretou calamidade e renovou o decreto por mais seis meses, em agosto do ano passado. A área da segurança também foi considerada em calamidade há um ano, quando as polícias civis e militares paralisaram as atividades e se aquartelaram por atrasos nos salários. Esse último decreto foi encerrado em julho.
Outro decreto em vigor é o de emergência contra a seca. Esse é o mais antigo, realizado em 2012 e renovado por 11 vezes. A diferença entre esse e os outros citados é que a seca não é um estado de calamidade, mas situação de emergência. Isso significa que o Estado tem condições de resolver a situação com os próprios recursos, mas necessita da complementação do governo federal. O estado de calamidade, ao contrário, afirma que o Estado só supera a situação se houver recursos federais.
Sistema prisional:
O sistema prisional do Estado foi considerado em calamidade em 2015 depois de detentos comandarem rebeliões em cinco unidades prisionais e atentados a ônibus na região metropolitana de Natal. O documento estabeleceu a construção de novos presídios de maneira emergencial, recuperação dos destruídos e a criação de uma “força tarefa”, que passou a atuar no sistema. Foi quando a Força Nacional começou a atuar na segurança do Estado. Por outro lado, mesmo com o decreto projetos pensados para as penitenciárias não foram efetivados.
Depois de 2015, com o decreto em vigor, o sistema prisional ainda sofreu mais rebeliões. A maior completa dois anos este ano: conhecida como o “massacre de Alcaçuz”, resultou em 26 mortes de presos e mais de uma semana de conflitos internos entre facções criminosas. A Penitenciária Estadual de Alcaçuz foi destruída e a reforma aconteceu meses depois, com os recursos viabilizados e licitação dispensada pelo decreto de calamidade.
Entre 2016 e 2017, o Estado recebeu cerca de R$ 62 milhões do Fundo Penitenciário Nacional para serem utilizados nas principais fragilidades do sistema penitenciário. Somente R$ 7,7 milhões foram utilizados, segundo uma ação do Ministério Público Estadual do ano passado, que determinou o uso do restante das transferências. O então secretário de Justiça e Cidadania do Estado, Luís Mauro Albuquerque, atribuiu a não-utilização às recusas do Departamento Nacional Penitenciário (Depen) sobre os projetos pensados.
Um dos projetos que não teve liberação para ser iniciado foi a construção da unidade prisional de Afonso Bezerra. O projeto foi enviado ao Departamento Penitenciário Nacional em junho de 2017, passou um ano pendente e foi reprovado. Mauro Albuquerque, então secretário de Justiça e Cidadania, considerou a reprovação “sem justificativa”. Dois novos pavilhões estão sendo pensados para Alcaçuz, mas até o momento as obras não iniciaram. Os recursos federais para a construção estão assegurados ao Estado, mas não foram utilizados.
Saúde
Saúde:
A situação calamitosa na saúde foi decretada em junho de 2017. O Governo do Estado divulgou na época que o decreto estava sendo publicado “devido aos reflexos da crise econômica que causaram a redução da arrecadação estadual e a queda de transferências de receitas constitucionalmente garantidas ao Estado”. A sobrecarga de hospitais e a diminuição de servidores ativos também foram citados como razões.
O secretário estadual de saúde na época, George Antunes, chegou a afirmar que o Governo não estava conseguindo cumprir “o dever de casa” e precisava de auxílio da União. As transferências somaram R$ 515 milhões no período. Segundo o último secretário a ocupar a pasta, Sidney Domingos, o valor foi o necessário para reabrir leitos de UTI, pagar folhas salariais dos servidores, contratos e convênios.
Sidney Domingos ainda afirmou que a renovação desse decreto é necessária somente se a União não assegurar recursos federais novamente para o Rio Grande do Norte. Ainda segundo ele, a situação de calamidade colocou o Estado em “prioridade” no diálogo com o Ministério de Saúde.
Segurança Pública:
A área da segurança foi a última a ser decretada em situação de calamidade, um ano atrás. Os policiais civis estavam com grande parte das atividades paralisadas e a Polícia Militar aquartelada, as duas pelo atraso dos salários. No documento, o Governo considerou “o aumento dos índices de violência decorrente da paralisação das atividades dos policiais militares e civis”. O período foi marcado por arrastões em diversos pontos comerciais e disseminação de boatos em todo estado, o que gerou pânico na população.
Outra razão, existente até hoje, é a insuficiência da quantidade de pessoal existente na área de segurança e o sucateamento da frota. Estima-se 10 mil servidores a menos que o estabelecido por lei, considerando a Polícia Civil, Militar e o Corpo de Bombeiros. O decreto na área da segurança serviu para o pagamento de salários, aquisição de novos equipamentos, como armas, coletes balísticos e viaturas. A falta de infraestrutura era elencada pelas associações de policiais como razões para as paralisações. Cerca de R$ 100 milhões em compras foram transferidos de imediato ao Estado, apesar do ministro da Segurança da época, Raul Jungmann, anunciar R$ 225 milhões.
Em junho, outros R$ 100 milhões foram anunciados para cumprir metas do Plano Estratégico de Segurança Pública, liberados de forma mais urgente após a calamidade. Mas o atual secretário de segurança estadual, coronel Francisco Araújo, disse que estão previstos R$ 80 milhões.
SECA RN:
O decreto há mais tempo em vigência no Estado é contra a seca, renovado 11 vezes seguidas. São seis anos de situação emergencial decretada por conta da escassez hídrica nos municípios do Rio Grande do Norte. Graças aos decretos, o Estado recebeu cerca de R$ 60 milhões da União. O valor é abaixo do suficiente para aplicação do Plano de Segurança Hídrica, elaborado em 2015 com a a previsão de R$ 340 milhões.
Com o dinheiro recebido, foi construída a adutora Caicó-Jurucutu (R$ 44 milhões) e contratado o abastecimento de água via carro-pipa (R$ 16 milhões). Estão pendentes as construções de outras adutoras e a captação de água em um leito mais fundo da barragem Armando Ribeiro Gonçalves pela Companhia de Águas e Esgotos do RN (Caern).
As consequências da seca são os principais motivos para o decreto. Mesmo com a chuva de 2018, acima da média registrada na última década, ainda não foi possível recuperar a capacidade hídrica. No segmento agropecuário, as perdas estimadas são de R$ 4,3 bilhões. Pelo menos 21 cidades foram consideradas “muito secas” no período entre 2011 e 2017. De acordo com dados atualizados pelo Instituto de Gestão das Águas do RN (Igarn) as reservas hídricas do RN estão, neste início de janeiro, com 960 milhões de m³ de água disponíveis em 47 reservatórios (21,7% da capacidade de armazenamento). Oito acudes estão secos. Caern aponta nove cidades estão em colapso e 90 em rodízio.
Fonte: Tribuna do Norte
Imagem: Marcos Santos/USP imagens