SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Quando o policial João Maria Figueiredo, 36, empunhou o microfone em uma das mesas do Fórum Social Mundial em março deste ano, em Salvador, fazia menos de um dia que a vereadora Marielle Franco havia sido assassinada no Rio de Janeiro.
Representando o Policiais Antifascismo, grupo que reúne policiais com viés humanista e de esquerda, Figueiredo lamentou as dificuldades enfrentadas por quem milita pelos direitos humanos no Brasil. “Eles tentam nos calar a todo custo. Ela [Marielle] foi vítima, já teve a [missionária] Dorothy [Stang], já tiveram tantos outros. Amanhã pode ser eu”, afirmou.
Nove meses depois daquele discurso, João Maria Figueiredo -que também atuava como segurança da governadora eleita Fátima Bezerra (PT)- foi assassinado no dia 21 de dezembro com três tiros na cabeça em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal.
A Polícia Civil investiga a morte de Figueiredo e ainda não há certeza se ele foi vítima de um homicídio ou de um roubo seguido de morte. Ele foi atingido por tiros quando passava de moto em trajeto que percorria diariamente. Sua arma foi levada, mas deixaram moto e dinheiro no local.
Seu assassinato colocou em alerta os cerca de 400 policiais militares e federais, delegados, agentes da polícia civil e agentes penitenciários de todo o país que se organizam em torno do grupo Policiais Antifascismo.
“A gente não pode afirmar nada categoricamente, mas tudo aponta para uma execução”, afirma Alexandre Félix Santos, investigador da Polícia Civil de São Paulo e militante do Policias Antifascismo.
Para Fernando Alves, delegado de polícia no Rio Grande do Norte e também militante do grupo, a morte do colega é um reflexo da instabilidade do atual modelo de segurança, que colocaria em risco os próprios policiais.
“Ele foi morto na sua condição de vulnerabilidade. Por ser um militante social e ser altamente crítico da corporação, ele desagradava setores que não estavam interessados que o seu discurso se propagasse”, afirma Alves.
Organizado de forma horizontal por meio de redes sociais na internet, o grupo Policiais Antifascismo foi fundado em setembro de 2017 em um encontro no Rio de Janeiro. Não tem líderes nem hierarquia, mas possui uma pauta bem definida.
O grupo é a favor da desmilitarização das forças policiais, de uma carreira unificada na polícia -sem separação entre as carreiras de oficiais e praças- e do fim da separação entre policiais que atuam na prevenção e os que operam na repressão.
Também entraram na pauta do grupo temas como o respeito aos direitos humanos e a descriminalização das drogas com controle da produção e do comércio pelo Estado.
A militância por temas que vão contra a corrente de pensamento da maioria das forças policiais costuma gerar problemas para esses policiais militantes.
Félix Campos, da Polícia Civil de São Paulo, afirma ter sofrido perseguições por causa de sua militância política. No início de dezembro, foi convocado à corregedoria para prestar esclarecimentos.
O próprio João Maria Figueiredo chegou a ser preso em 2016 pelo Comando da Polícia Militar ao criticar em uma rede social o sistema de segurança pública do país.
“Esse Estado policialesco não serve nem ao povo e muito menos aos policiais que também compõem uma parcela significativa das vítimas do atual contra social brasileiro. Temos uma polícia que se assemelha a jagunços, reflexo de uma sociedade hipócrita, imbecil e desonesta”, afirmou na postagem.
O comando da polícia considerou que a mensagem feria regulamento disciplinar da corporação e defendeu a punição.
“Nosso discurso não é desejado porque toca na ferida, mexe em falhas das forças de segurança que são repetidas cotidianamente”, afirma o delegado Fernando Alves.
A punição não arrefeceu a militância de Figueiredo. Tanto que o Rio Grande do Norte se tornou um dos estados em que o Policiais Antifascismo mais se organizou e atuou com protagonismo no debate público. Atualmente, são 149 militantes no estado.
Com a eleição de Fátima Bezerra (PT) para o governo do estado, a tendência era Figueiredo e outros policiais passassem a integrar a nova administração.
Nas vésperas de dar este novo passo, João Maria Figueiredo se tornou o 26º policial morto em 2018 no Rio Grande do Norte, estado mais violento do país, com 68 mortes por 100 mil pessoas, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG especializada no tema.
Mas no discurso feito há nove meses em Salvador, quando afirmou que “parte da polícia adota posições fascistas de forma convicta”, voltou a defender a primazia do respeito aos direitos humanos e alertou para o poder de exemplo na sociedade.
“Quando eles eliminam uma pessoa, eles fazem nascer muitas outras. Aquilo ecoa. O poder do exemplo é muito forte.”
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