O publicitário paulista que passou os últimos 10 anos de sua vida preso por tráfico de drogas lança neste final de semana, em Natal, o livro ‘A Escolha Errada’. “Esta é a primeira publicação de cinco obras que escrevi atrás das grades”, diz Newton Albuquerque Gomes de Andrade.
O título do livro é autoexplicativo. Além de narrar como o publicitário foi parar na cadeia, a obra ainda traz um capítulo especial no qual Newton narra o que viu e o que sentiu durante o ‘massacre de Alcaçuz’ – o episódio mais sangrento da história do sistema penitenciário potiguar. Ocorrida em janeiro de 2017, a matança terminou com 26 detentos assassinados em meio a uma rebelião envolvendo duas facções criminosas rivais.
Massacre de Alcaçuz terminou com 26 presos mortos — Foto: Divulgação/PM
Newton tem 43 anos. Ele foi preso em outubro de 2008 em Genipabu, uma das mais belas praias do Rio Grande do Norte. Era a quinta viagem que ele fazia transportando drogas de São Paulo para o Nordeste. Na ocasião, foi flagrado com 200 quilos de crack e outros 100 quilos de cocaína.
Após ser condenado, passou 1 ano na Penitenciária Federal de Mossoró e outros 9 em Alcaçuz, de onde saiu para o regime semiaberto em agosto do ano passado. Agora, tudo o que ele mais quer é recomeçar.
“Reconstruir minha vida. Com certeza. Quero agora ficar só em coisas boas. Uma delas é minha carreira de publicitário. Agora bem mais madura. Mas, também pretendo me tornar palestrante motivacional. Quero ser uma ferramenta de motivação para as pessoas. Tenho potencial para isso. Vida nova. Que venham horizontes extraordinários”, celebrou.
O lançamento
O lançamento de ‘A Escolha Errada’ acontece sábado (5), a partir das 17h, no Teatro de Cultura Popular Chico Daniel. O espaço fica na Fundação José Augusto, na Rua Jundiaí, no bairro Tirol, Zona Leste da cidade.
O livro foi produzido pela Editora Unilivreira, custa R$ 40 e tem 261 páginas com 24 capítulos. ‘O massacre sangrento de Alcaçuz’ é o primeiro deles.
“Eu fiz uma escolha errada na hora que me envolvi com as drogas. Mas, uma pessoa pode fazer a escolha errada na hora de comprar uma roupa, um tênis, até em um relacionamento. Todos nós, seres humanos, vamos fazer escolhas erradas em nossas vidas. Eu fiz a minha. Então, eu conto a escolha errada que fiz neste livro que é para servir de exemplo. O crime não compensa”, ressalta Newton Albuquerque.
O medo
Alcaçuz virou campo de batalha em janeiro de 2017 — Foto: Andressa Anholete/AFP
Os livros de Newton foram escritos na cela de número 22 do setor médico de Alcaçuz, maior unidade prisional do RN. A penitenciária fica em Nísia Floresta, na Grande Natal, distante mais de 3 mil quilômetros da capital paulista.
Quando estourou a rebelião, ele dividia a cela com presos que ajudavam na cozinha e na limpeza da penitenciária. No setor, também ficam detentos que eram ex-policiais, presos que participavam de atividades religiosas, condenados que cometeram crimes de violência contra crianças, estupradores.
Enfim, o setor médico era o lar dos apenados que, se fossem colocados nos demais pavilhões, certamente teriam problemas de convivência – seja pelas atividades que desempenhavam fora do presídio ou por optarem em não participar de nenhuma facção criminosa.
Além dos testemunhos do medo e tensão, o capítulo sobre o massacre também relata como tudo começou. “O sábado, dia 14 de janeiro, estava normal. Era mais um final de semana onde as famílias adentram o complexo para visitar os seus parentes que aqui cumprem suas penas impostas pela Justiça. Aparentemente, tudo se encontrava em absoluto controle. Por volta das três horas da tarde, os visitantes começaram a deixar o presídio para voltar às suas residências. Os internos do pavilhão 5, fortemente armados com facas, pedaços de ferros, de paus e acredite, até com armas de fogo, invadiram o pavilhão 4, que ficava ao lado em uma distância insignificante, onde abrigava membros da facção rival que são inimigos mortais, para realizar uma matança monstruosa”, narrou.
Ainda de acordo com Newton, a rixa entre os presos do ‘PCC’ e do ‘Sindicato do Crime do RN’ também deixou os agentes penitenciários de Alcaçuz em pânico, principalmente quando viram um dos colegas passar por maus momentos. “Um companheiro havia ficado para trás no meio daquela confusão toda, correndo um sério risco de perder a sua vida. Mas, graças a Deus, ele foi resgatado sem nenhum arranhão”.
Em meio aos relatos, Newton também escreve que não queria fazer parte daquela barbárie, e diz que sentiu muito medo. “Não queria participar daquilo. Pedia a Deus para cessar, mas quanto mais se ouvia gritos, mais se escutava tiros que vinham das guaritas. Agentes penitenciários e policiais militares tentavam conter o avanço. A precaução era não deixar o confronto acontecer no setor médico, para não ocorrer mais uma carnificina. E eu estava ali, naquele meio”.
Inferno
Em outro trecho do capítulo sobre a matança, Newton também recorda ter visto imagens gravadas pelos próprios presos que mostravam cenas da carnificina. Eram vídeos feitos por meio de aparelhos celulares. “Uma hora depois do acontecido já podíamos ver vídeos que rolavam na internet e que mostravam os corredores da cadeia, com cenas de extrema barbárie, vários internos amontoados mortos, muitos deles decapitados, estraçalhados com uma brutalidade comparada aos radicais do estado islâmico”. E acrescentou: “Em um desses vídeos, um preso tentava tirar com as mãos algo como se fosse o coração da vítima. Meu Deus, a cena era fortíssima. Eu não aguentei. E depois que assisti tive a certeza absoluta de que o inferno era mesmo em Alcaçuz”.
Com medo de morrer, Newton conta que também se armou. Para se defender, no entanto, não usou faca, barra de ferro ou revólver. Sua vida, segundo ele mesmo, dependia de algo menos ofensivo. “Segurando a minha arma que era apenas um pedaço de madeira, fiz uma pequena reflexão: meu Deus, por que essas pessoas se matam desta maneira? Por que tanto ódio, tanta raiva ao ponto dessas crueldades? Por que eu, que não pertenço mais ao crime, preciso passar por isso? Por que ainda não deixei esse inferno?”.
Próximos livros
Notebook que Newton usou para escrever suas obras foi presente de um juiz — Foto: Reprodução/ Inter TV Cabugi
Também aguardam publicação ‘O Pequeno Gênio’, ‘Anjos do Parque’, ‘Playboys do Crime’ e ‘Quatro Estações’. Todos foram escritos à mão. Depois, as obras foram digitadas em um notebook. O computador portátil, que não tinha acesso à internet, foi presente de um juiz.
Fonte: G1 RN
Imagem: Arquivo pessoal/Newton Albuquerque