Especialistas falam sobre a importância de deixar de lado as desavenças políticas, que deram o tom este ano por causa das eleições, e reatar amizades, principalmente se as brigas e possíveis separações ocorreram dentro do ambiente familiar.
Famílias entraram em pé de guerra durante as eleições. Os assuntos que dominaram as redes sociais foram a votação, os programas e os candidatos, especialmente os postulantes ao Planalto. No segundo turno, a onda de confrontos entre ideologias, cores e discursos ficou ainda mais evidente quando Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) tornaram-se as únicas opções das urnas.
Dois meses após o pleito, especialistas garantem que é hora de deixar as desavenças para trás e começar o ano sem intrigas. Vale analisar a razão e o custo-benefício das discussões do passado; fazer uma autocrítica sobre o papel na sociedade e em casa e, se possível, dar o primeiro passo para consertar as coisas.
Polarização eleitoral se reflete nas festas de fim de ano e afasta familiares
A aposentada Maria Clara*, 81 anos, deixou de falar com uma das filhas por discussões político-partidárias. Além de as duas terem ideologias completamente diferentes, Maria Clara, de direita, é também muito envolvida com religião. Para Mirela*, a filha do meio, as mazelas da igreja estão ligadas diretamente com o novo governo eleito. A empreendedora tem 34 anos e convicções esquerdistas sobre Estado e religião. “As duas acabaram tendo acalorados debates pelo WhatsApp e nos eventos familiares em que se encontraram. Fica um clima chato, ainda mais neste fim de ano. A mãe preferiu não fazer Natal em casa, como acontece todos os anos, para evitar novas brigas. A família está preocupada, querendo que tudo volte às boas”, diz uma das filhas de Maria Clara e irmã de Mirela.
QUEM AMA BLOQUEIA?
Mãe e filha devem se encontrar antes das festas. Ambas foram alertadas pelo núcleo familiar que a melhor ideia é deixar os assuntos políticos de lado. Evitar novos rompantes e não remexer no que foi dito. Para a psicóloga Juliana Gebrim, especializada em equilíbrio emocional, “o melhor é tentar encontrar uma solução. Aproveitar os embalos do fim de ano para deixar tudo o que for ruim para trás”. Juliana ensina que é preciso colocar a mão na consciência e entender que ocorrem desavenças quando as questões políticas ou as crenças das pessoas são questionadas. “Mas isso não vale a pena. Indico que alguém tome o primeiro passo para consertar as coisas”, detalha.
A servidora pública Júlia*, 39, se cansou de brigar com o namorado por causa de política. Os dois estudam e moram juntos em Madri. “A gente ficava discutindo no Facebook mesmo morando juntos. Ele vinha falar: ‘Vê lá o que eu comentei no seu’. E eu fui ficando com ódio”, relembra. “A gente ficava lá na guerra. Entravam os amigos dele e os meus nas discussões”. A solução foi drástica. “Eu o excluí do meu Facebook um dia, sem falar nada. Aí, ele ficou revoltado e me excluiu também”, detalha Júlia. O rompimento foi só naquela rede social, e foi o suficiente para deixar os dois satisfeitos temporariamente.
ACORDO
Isso, porém, não resolveu as discussões presenciais, que a deixam mais nervosa do que ele. “Eu quase infarto quando falo de política, e ele, não. Ele só diz: ‘A gente não está brigando, só discutindo’”. No WhatsApp, não teve bloqueio, mas um acordo. “A gente sempre discutia, mas prometia não brigar. Já começava a me dar taquicardia, porque eu não aguento”, diz Júlia. “A gente prometeu não falar de política, nem mandar memes pelo celular.” Mesmo assim, o casal discutiu pelo aplicativo há poucos dias, enquanto ela estava no Brasil e ele, na Espanha. “Que fique claro que somos felizes. Ou seja, é possível os opostos conviverem”, ela ressalta. “Só amor mesmo explica. Porque, no fim das discussões, fica ‘Eu te amo’ pra lá, ‘Eu te amo’ pra cá, e que isso não é nada…”
O bancário Luís André* ficou feliz quando conseguiu reunir os ex-colegas do Colégio Marista de Brasília depois de 28 anos de formados, em 2013. “Fizemos um encontro em 2014 e, depois, uma grande festa de 30 anos de formados”, ele lembra. O grupo de WhatsApp chegou a ter mais de 100 pessoas. “Era muito animado, tinha até mil mensagens por dia. Até casal se formou, de dois colegas que eram divorciados e começaram a conversar lá”, conta Luís. “Tinha muito médico, advogado, juiz, gente mais de direita, e também de esquerda”, ele descreve. O caldo começou a entornar em 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “A gente tentou evitar, mas não teve jeito. Postavam muita sacanagem, era muita briga. Ano passado já não houve festa nenhuma. Este ano não vai ter. Eu era o criador do grupo, e discuti tanto que até apaguei foto”, ele admite.
ADOLESCÊNCIA POLITIZADA
O mundo contemporâneo deu aos adolescentes o acesso quase ilimitado a informações, propiciando a eles terem as próprias convicções políticas. Além disso, a juventude brasileira está acostumada à liberdade de expressão e aos comentários argumentativos nas redes sociais — seja em matérias de jornais, seja em publicações particulares. “O grande ‘tchan’ foi a internet, que colocou um punhado de informações bem na cara das pessoas”, explica o professor de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) Cléber Zimmerman. Análises feitas pela instituição mostram que os jovens acompanharam as eleições com mais detalhes e mais rapidez. “Eles que souberam pesquisar o passado dos candidatos e buscaram maneiras de debater questões que os mais velhos, por não terem essa compreensão, não souberam como agir”.
BONS ARGUMENTOS
Não significa dizer que as desavenças entre parentes e amigos só aconteceram pela desinformação, mas o cenário apontado pelo especialista traduz a necessidade de bons argumentos na hora do embate de ideias. “O importante é ter notícia, fatos que mostrem o motivo de uma opinião ficar acima da outra. A cultura brasileira do ‘gritar mais alto’ só cria confusão. Depois, é complicado aparar essas arestas”, complementa Zimmerman.
Especialistas aconselham que, na hora de falar sobre política, haja muita pesquisa a fim de que as pessoas saibam explanar seus pontos de vista. “Assim, fica bom. Quem entende do riscado sai sempre feliz. As pessoas precisam ter calma, olhar pelo lado da razoabilidade. Não significa contemporizar, mas, sim, conversar sem atritos”, aponta o professor. Com informações do Correio Braziliense.
* Nomes fictícios a pedido dos entrevistados
Crédito da Foto: Arthur Menescal/Esp.CB/DA.Press