Crônicas da Velha Ribeira (2)

O vigilante Mané Severino era novo no ofício. Caboclo forte e bamba no cabo da enxada, havia fugido do sertão brabo e seco para tentar a vida na “capitá”, no início dos anos sessenta.

Até que teve sorte, pois logo ao chegar a Natal encontrou aquele emprego, cuja função era “pastorar” um armazém na rua Frei Miguelinho, depois que este fechava, geralmente por volta das cinco e meia da tarde. Mané Severino tava muito satisfeito da vida. O serviço era moleza, tinha um quartinho nos fundos do armazém, onde dormia quase o dia todo e p´ra onde – às vezes, nas noites mais calmas – levava uma daquelas “mulheres da vida” que infestavam os bares das redondezas…

Enfim, para Mané Severino, o paraíso era ali. Nada de passar o dia “puxando cobra p´ros pés” no cabo da enxada. Nada de passar o dia sob aquele sol inclemente, que lhe fazia “ferver o juízo”, mesmo com o anteparo do velho chapéu de palha.

Aquilo sim, é que era vida!

Somente uma coisa perturbava Mané Severino: é que, depois de poucos meses morando na cidade grande, onde tinha visto de tudo – ou pensava que sim – , ele tava “invocado” com o procedimento daquele velho que tinha um armazém em frente ao que ele vigiava… Pois é que o home, todo santo dia, quando fechava a porta de ferro (daquelas de rolo) de sua loja e depois de prendê-la com um enorme cadeado – o qual puxava e sacudia várias vezes após tê-lo travado, como que testando a segurança do mesmo –, metia a mão em um dos bolsos de trás da calça e tirava de lá um espelhinho redondo, tipo aqueles muito em moda naquela época, com escudo nas costas do time preferido pelo dono e mirava-se nele demoradamente. Quando se dava por satisfeito, tornava a colocá-lo no bolso e ia embora.

A Frei Miguelinho era e é, uma rua estreita, de modo que ele via bem de perto aquela encenação vespertina.

Mané Severino só pensava naquilo! E matutava!

– Que diabo de munganga é essa?

– Será um catimbó, uma urucubaca? Imaginava.

Morria de vontade de perguntar ao próprio, a razão daquele ato. Mas o velho tinha a “cara fechada” e era gente de pouca conversa. Porém, a curiosidade é mãe da impaciência e tia da imprudência e chegou o dia em que Mané Severino, não mais resistindo àquela tortura, venceu a timidez. Encheu-se de coragem e abordou o home, logo depois que ele cumpriu, mais uma vez, seu estranho ritual.

– Seu Zé, me adiscurpe, mais pruquê voismicê se óia no espelho, todo dia, quando fecha a casa?

O velho olhou para ele de baixo para cima, pois ainda estava agachado junto ao cadeado e, para surpresa de Mané Severino, com ar inesperadamente bondoso respondeu: “meu filho, eu sempre fui muito desconfiado e sempre quis ter certeza das coisas. Por isso, toda vez que fecho minha loja, olho no espelho p´ra ver se sou eu mesmo que estou fechando a porta e botando o cadeado…

Foto: Acervo Tribuna do Norte

Sair da versão mobile