Era uma sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, quando a televisão brasileira interrompeu sua programação para transmitir um pronunciamento do presidente da época, o marechal Arthur da Costa e Silva. O militar, que estava no comando do país há pouco mais de um ano, apareceu diante das câmeras e começou a ler o texto do Ato Institucional de número 5.
Ainda sem saber, os brasileiros estavam presenciando o início daquilo que seria o período mais sombrio da história da Ditadura Militar, que duraria dez anos. “Pela primeira vez desde 1937 e pela quinta vez na história do Brasil, o Congresso era fechado por tempo indeterminado”, retrata Elio Gaspari em um trecho de sua obra A Ditadura Envergonhada (Intrínseca, 2002).
O AI-5, que completa cinquenta anos nesta quinta-feira (13), era uma mistura de restrições institucionais que reforçavam as imposições morais.
O ato restabeleceu para o país as demissões sumárias, as cassações de mandatos e as suspensões de direitos políticos. Além disso, suspendeu as franquias constitucionais da liberdade de expressão e de reunião.
“O AI-5 marca o momento em que a ditadura se instala em toda a sua força e todo o seu arbítrio, sem nenhum freio”, explica Jacqueline Pitanguy, socióloga que vivenciou o regime militar brasileiro.
Segundo estudiosos, a pior das marcas ditatoriais do Ato, estava no artigo 10: “fica suspensa a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional”. Com isso, o núcleo repressivo dos militares estava liberado pelo estado.
Carlos Fico, professor titular de História Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro, relembra que o clima de conflagração de 1968 — que desabrochou com os protestos estudantis na França — criou um cenário que provocava os militares.
“Eles invadiram as universidades, para controlar o que se era ensinado ali e sequestraram artistas e opositores. O país, como um todo, viu a repressão ser institucionalizada”, diz.
Censura:
Além da restrição de habeas corpus, a censura política aos jornais a às manifestações também foi intensa no período.
“Quando o AI-5 baixou já havia censura moral, mas naquele momento houve a criação de uma estrutura centralizada na Polícia Federal, algo bastante característico de uma ditadura. Para os artistas, não foram proibidos só palavrões ou nudez, mas peças, musicas, cinema, novelas”, explica Fico.
Enquanto o ato durou, por exemplo, Chico Buarque começou a lançar músicas de protesto com pseudônimos, para tentar burlar os censores.
A música Jorge Maravilha (1974), assinada por Julinho de Adelaide, era uma provocação ao então presidente, Ernesto Geisel, que tinha uma filha fã do cantor: “Você não gosta de mim/mas sua filha gosta”, diz o refrão. Depois de descobrir o “esquema” de Chico, a censura passou a exigir RG e CPF dos compositores.
Durante a vigência do AI-5, inúmeros presos políticos foram torturados, enviados para o exílio e também mortos. Um deles foi o jornalista, dramaturgo e professor Vladimir Herzog.
A versão oficial dos militares de que ele teria cometido suicídio sempre foi questionada por opositores do regime. Após a descoberta de que ele havia sido morto, Herzog se tornou símbolo da luta pela democratização do Brasil.
A história vive:
Para Carlos Fico, da UFRJ, o Brasil sempre carregará as marcas de sua história. Segundo o historiador, é comum que haja negação de alguns episódios e elaboração de memórias confortáveis.
“Durante o AI-5, os militares foram eficazes no sentido de ocultar da sociedade a violência da repressão política. Isso é diferente do que aconteceu na Argentina, por exemplo, que se construiu uma memória traumática sobre o regime militar”, afirma.
Ele ainda completa que o período de maior repressão, também conhecido como “anos de chumbo”, coincidiu com o milagre econômico brasileiro. Na época, o PIB nacional crescia em larga escala.
Lucas Paolo Vilalta, coordenador do Portal Memórias da Ditadura do Instituto Vladimir Herzog, diz que, apesar de toda a repressão, o ato trouxe ensinamentos.
“O que o AI-5 ensinou é de que os direitos civis, humanos e democráticos devem ser garantidos. A defesa dos direitos tem que ser irrestrita. A medida que os governos começam a caçar os direitos democráticos e começarmos a ver o enfraquecimento das instituições, corremos o risco de revivermos o passado”, analisa.
Fonte: Revista Exame
Imagens: reprodução