Brasil criou 13.624 vagas em cursos de medicina desde 2013; apenas 20% delas seguem os critérios do Mais Médicos

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Publicada no Diário Oficial da União em julho 2013, a medida provisória que criou o Programa Mais Médicos não se ateve apenas à contratação de médicos formados fora do Brasil, na condição de bolsistas, para suprir em caráter emergencial a demanda de profissionais da saúde no país. Ela também definiu ações do governo federal para reduzir essa carência permanentemente, incluindo a expansão das vagas na graduação em medicina e na residência em medicina da família e comunidade, e a reforma do curso de graduação para incluir um estágio obrigatório dos estudantes na saúde pública.

Veja, em resumo, o que o programa Mais Médicos pretendia e o que aconteceu:

  1. Criar 11.447 novas vagas em medicina até 2017: Entre julho de 2013, quando o anúncio foi feito, e o fim de 2017, 10.861 novas vagas foram criadas. Considerando janeiro de 2013 a novembro de 2018, esse número sobe para 13.624, maior do que a meta. Destas, 20% seguem os critérios da Lei do Mais Médicos. As faculdades precisam já ter cursos de medicina em outros municípios com bons indicadores de qualidade, além de capital financeiro para a abertura imediata do curso, desenvolver programas de residência médica com o mesmo número de vagas da graduação e oferecer contrapartidas aos SUS local, como formação de profissionais e reforma de equipamentos de saúde. O Ministério da Educação (MEC) diz que as demais já estavam em processo de abertura antes da lei, que não incide retroativamente. Outras 1.760 vagas de processos em aberto ainda serão autorizadas mas, em abril, o governo federal decretou uma moratória (leia mais abaixo) que impede a criação de novos cursos até 2023.
  2. Ampliar a vagas da residência em medicina de família até 40% do total em 2018: A reestruturação da residência médica incluiu a universalização do acesso dos médicos aos programas de residência, com foco principal na expansão das vagas da residência em medicina de família e comunidade, que forma profissionais da chamada atenção primária, nos postos de saúde e na comunidade. Mas, entre 2013 e 2017, o número de vagas autorizadas foi de 15.960 para 24.807, sendo que a participação da medicina de família nesse total subiu de 6,2% para 13%.
  3. ‘Esticar’ a graduação de seis para oito anos, incluindo estágio obrigatório na atenção básica: A ideia foi anunciada publicamente também em julho de 2013, mas acabou sendo reformulada após críticas da classe médica. Em 2014, o Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu, na criação das novas diretrizes da graduação em medicina, estipular um tempo mínimo de atuação na atenção básica dentro da carga horária de estágios já existentes nos cursos. Porém, segundo especialistas ouvidos pelo G1, a implementação dessa mudança no currículo de todas as faculdades ainda está longe de ser realidade.

Das 13.624 novas vagas em medicina autorizadas pelo MEC entre janeiro de 2013 e novembro deste ano, 83,4% delas estão em universidades privadas, e 65,4% estão em campi fora das capitais – a interiorização do ensino de medicina, para que estudantes locais se formem e queiram permanecer em locais fora dos grandes centros, também é um dos focos do Mais Médicos.

A análise do G1 mostra ainda que 50,7% das vagas são de cursos já existentes, ampliando o número original de ofertas deles. Os estados com o maior número de novas vagas são São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Juntos, eles respondem por 47,4% delas.

Desde o início de 2013, o governo federal autorizou a criação de 13.624 novas vagas em medicina no Brasil — Foto: Claudia Ferreira/G1

Só uma em cada cinco vagas, porém, foi criada seguindo os novos parâmetros determinados pela Lei do Mais Médicos. Em um comunicado, o MEC afirmou que essas vagas foram autorizadas “a partir da análise de processos de aumento de vagas em cursos já existentes, de autorizações que já estavam em tramitação anteriormente à Lei nº 12.871/2013 [a Lei do Mais Médicos] e de autorizações de vagas em cursos de medicina em universidades públicas”.

No caso das vagas na rede pública federal, o ministério afirmou que elas fazem parte de uma “pactuação” entre a pasta e as instituições.

O curso de medicina no campus Araranguá, da UFSC, em Santa Catarina, recebeu autorização do MEC para funcionar em abril, e já selecionou a primeira turma de calouros, que começaram as aulas no segundo semestre — Foto: Reprodução/YouTube/UFSC Araranguá

O que mudou com a lei:

A principal mudança é a exigência de que as aberturas de vagas passem por um processo seletivo no qual tanto os municípios quanto as instituições devem se inscrever para ofertar os cursos.

No entanto, outras exigências também são levadas em consideração: uma delas é o fato de os cursos só poderem ser oferecidos em municípios que tenham uma infraestrutura hospitalar específica para que os estudantes possam vivenciar a prática da medicina.

As demais vagas autorizadas, que representam quase 80% do total, já estavam com o processo de abertura em andamento antes da promulgação da lei e, portanto, não precisaram seguir essas regras.

Um dos motivos para o baixo número de vagas abertas diretamente via Mais Médicos nesse período é o lento processo de seleção que, primeiro, passa pela definição dos municípios, em pelo menos três etapas eliminatórias. Além disso, há ainda uma série de etapas de seleção das instituições. Um dos editais chegou a ser abandonado pelo MEC após uma série de questionamentos judiciais feitos pelas instituições eliminadas do processo (leia mais ao final da reportagem).

Boneco que representa uma mulher grávida dentro do Laboratório de Habilidades e Simulação Realística de Suprema – Faculdade de Ciências Médicas de Três Rios — Foto: Divulgação/Faculdade de Ciências Médicas de Três Rios

Mas nem todas as vagas criadas pelo Brasil já estão ocupadas, porque o preenchimento ainda depende dos vestibulares das instituições, e elas poderão ser ofertadas tanto no primeiro quanto no segundo semestre letivo.

‘Moratória’ nos novos cursos:

Anos depois de anunciar a expansão das vagas em medicina durante a gestão de Dilma Rousseff, o Ministério da Educação decidiu, na gestão de Michel Temer, instituir uma ‘moratória’ para novos cursos de medicina no país.

Na época, o MEC explicou que “levou em conta os dados da Organização Mundial de Sáude (OMS), que apontam que o Brasil já atingiu as metas de alunos/vagas estabelecidas, de cerca de 11.000 por ano”, e que “a medida visa a sustentabilidade da política de formação médica no Brasil, preservando a qualidade do ensino, já que o Brasil é referência na formação médica”.

“O número de escolas que temos potencialmente formarão médicos suficientes”, explicou ele ao G1, ressaltando que muitas das vagas abertas pelos editais do Mais Médicos já foram implementadas, mas ainda não completaram o primeiro ciclo de seis anos da graduação. Isso, segundo ele, ainda deve provocar um aumento anual de novos médicos. “Quantitativamente, a projeção é que vamos chegar a formar 30 mil médicos por ano. Mais do que suficiente.”

Dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) de dezembro do ano passado apontam que o Brasil já tinha 298 faculdades de medicina há um ano, sendo que quase um terço delas foram criadas nos últimos cinco anos. O número, porém, já passou de 300, segundo as estimativas de Batista.

Ele afirma que isso criou outro problema: “Um grande desafio na formação médica hoje é a falta de professores em número e qualificação suficiente para dar conta do aumento quantitativo no número de escolas e de vagas”, o que exige do governo federal e das instituições a implantação de políticas de formação de professores. De acordo com o presidente da Abem, o problema é agravado pela interiorização das escolas de medicina, tanto privadas quanto públicas. “Essas novas escolas acabam tendo que contratar professores que não fizeram mestrado, que não tiveram formação específica para docência”.

Dados do estudo “Demografia Médica no Brasil 2018”, porém, dão indícios de que a atração de futuros professores de medicina não será fácil. De 3.456 médicos formados em 2014 e 2015, só 34 responderam que tinham interesse em seguir a docência. Outros 12 afirmaram que sua preferência de atuação na carreira era a pesquisa, mesmo podendo escolher mais de uma resposta. Quase 87% dos entrevistados afirmaram preferir atuar na clínica ou em cirurgia.

Entenda os editais do Mais Médicos:

  • Quatro editais: No total, o MEC lançou quatro editais de criação de cursos de medicina pelo Mais Médicos em 2014, 2015, 2017 e 2018. Segundo a pasta, a moratória imposta em abril não inclui esses editais porque que já estavam em andamento. No total, 1.760 vagas ainda deverão ser autorizadas.
  • Editais parcialmente concluídos: Dois desses editais, abertos em 2014 e 2017, já foram parcialmente concluídos, faltando a implementação de 205 e 155 vagas, respectivamente.
  • Edital revogado: O edital aberto em 2015 acabou sendo revogado em dezembro de 2017, depois de selecionar 22 municípios para receber novos cursos. O motivo foram disputas judiciais de instituições desclassificadas na seleção.
  • Edital em andamento: Em 2018, o MEC publicou um novo edital “em substituição” ao de 2015, “com base em estudos técnicos do Ministério da Saúde mais atualizados”. Foram selecionados 28 municípios e cada um deverá receber um curso de medicina com 50 vagas, somando as 1.400 vagas que restam. O resultado das universidades que ofertarão esses cursos deve ser divulgado em 28 de dezembro.

Mesmo com a moratória nos novos cursos de medicina, ainda estão previstas 1.760 vagas em 34 municípios, resultantes de processos que já estavam em andamento antes dessa decisão — Foto: Alexandre Mauro/G1

Fonte: G1

Imagens: G1

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