Crescendo com os videogames – Parte 1

O ano era 1986, eu tinha entre seis a sete anos de idade. Foi quando meu pai chegou em casa com aquela caixa enorme e começou a montar, ligou o estranho aparelho na TV e logo fiquei encantado, principalmente com a possibilidade de mexer algo num controle e vê-lo se movendo na televisão, aquilo para uma criança de seis anos era fantástico!

Foi desta forma que fui apresentado aos videogames, num Philips Odyssey, pude conhecer aquele bravo mundo novo, onde podíamos interagir com o mundo virtual, conseguíamos controlar, naves, carros de corrida, e até escrever na televisão. Aquela tecnologia virou minha cabeça e eu entrei a fundo neste novo universo com muitas coisas a serem exploradas.

O destruidor de controles

Eu quando criança não era muito paciente, e a velha regra de “morreu passa o controle” já estava em vigor naquela época. Então, como dividia o Odyssey com meu irmão mais velho, o maior desafio para mim era manter-me vivo o maior tempo possível para poder jogar mais. Porém esta era uma tarefa difícil, praticamente impossível, para uma criança em tão terna idade, e ainda mais com o agravante de que os jogos do Odyssey – pelo menos 99% deles – só nos dava uma vida para gastar, então se você levasse um tiro de qualquer nave, já era meu amigo, Faleceu!

Não era diferente com o Senhor das Trevas, um dos melhores jogos do console, ficávamos horas nele para ver quem fazia a maior pontuação, mas como eu era bem mais novo e menos ágil com o manete, sempre morria na 3ª ou 4ª fase, e tinha que passar o controle para o meu irmão. Porém, de tanto morrer, comecei a culpar o pobre do controle e ele passou a ser o alvo principal de minha ira. Sempre quando era atingido por algum dos mísseis, bombas ou minas do terrível Senhor das Trevas, eu sentava a porrada no controle. Chegava a hora que o inocente objeto inanimado não resistia e ele acabava dando tilt. Graças a Deus nós tínhamos Tio Alfredo, que sempre vinha lá para casa consertar os controles do videogame.

Duelos no Velho Oeste

Outro excelente game do console era o Duelo no Velho Oeste. A temática era simples: dois pistoleiros se encontravam e começavam a trocar tiros, aquele que morresse pela 10ª vez perdia o jogo.

Então esse jogo era perfeito para unir a molecada da rua e da escola, ficávamos duelando para saber quem seria o rei do oeste. Nele eu era bom, porém perdia pro meu irmão na maioria das vezes que jogávamos.

Era uma ótima ferramenta de socialização, enquanto ficávamos trocando tiros na tela da TV, minha mãe sempre preparava um suco e alguma comida para os meninos. Creio que ela usava deste artifício por pura estratégia, pois era sempre perto da hora da novela. Era um estratagema para tirar aquela molecada da frente da TV e ela poder ir assistir seu programa imperdível.

Naquela época, um aparelho de TV era item de luxo, e dificilmente encontrávamos mais de um nas casas natalenses. Era um objeto de ornamentação também, e sempre ficava na sala. Como só existia uma TV na minha casa, jogar videogame por horas era difícil, só se podia fazê-lo nos finais de semana, fora do horário do Cassino do Chacrinha (como odiava esse programa!) e das telenovelas globais, quando então éramos sumariamente expulsos da jogatina para que meus pais pudessem apreciar a programação da TV.

Então se vocês acham que aquela conversa de que o “videogame danifica a televisão” era pra manter a integridade do aparelho, esqueçam! Aquilo tudo era para nos tirar da frente do videogame mesmo.

O tataravô dos Role Playing Games e Didi Mocó procurando ouro na mina encantada

Na época em que Os Trapalhões estavam lançando seu filme “Os Trapalhões na Serra Pelada” a Philips teve a grande sacada – junto com a Renato Aragão Produções – de dar a cara do Didi Mocó a um de seus games já lançado no exterior. Então quando o jogo “Pick Axe Pete!” veio ao Brasil eles logo mudaram o personagem, colocando Didi na capa, e mudando o nome do jogo para “Didi na Mina Encantada”.

 

Os gráficos do Odyssey eram bastante rudimentares, mais até que os do seu concorrente, o Atari 2600. Se resumiam grandes pixels juntos que lembravam a forma de uma nave, carro ou pessoa. A bola, num jogo de futebol, era um enorme pixel, o que quer dizer que a bola era quadrada(acho que o Kiko iria adorar o Odyssey)! Ou seja, no jogo em si era impossível dá forma a um personagem, e estes eram apenas formas genéricas de seres humanos.

Então para transformar um jogo de um personagem originalmente gringo (o Pete) para um brasileiro, tudo que a Philips precisava fazer era mudar o desenho da capa e pronto, aquele amontoado de quadradinhos na tela de forma humana era o Didi. E eu acreditava piamente que jogava com o trapalhão, aliás, o jogo não era ruim não, muito pelo contrário, era excelente, de longe um dos meus jogos preferidos do console.

Nessa mesma época eu conheci o belíssimo “Em Busca dos Anéis Perdidos”. Era um jogo de luxo da série “Estratégia” do Odyssey. Ele vinha numa caixa enorme que, além do cartucho, continha também um tabuleiro grande em forma de mapa, um pequeno mapa para pôr no teclado do Odyssey, várias peças de plásticos e algumas moedas de metal. Só o cartucho em si já chamava a atenção com sua label dourada reluzente.

Mas o que era mais belo neste jogo era o seu manual de instruções, com a capa dourada igual à label do cartucho e um capricho enorme na arte gráfica, coisa que não se vê mais hoje em dia. O jogo em si era espetacular, baseado na obra de J. R. R. Tolkien, nós tínhamos o objetivo de reunir dez anéis mágicos perdidos para podermos restabelecer a paz no mundo. Devíamos procurar por eles pelas diversas dungeons espalhadas no mapa, enfrentando vários, monstros, dragões e almas penadas nos ambientes mais inóspitos da terra.

Isso lembra algo? Sim meus amigos, este jogo era uma espécie de RPG que unia a jogatina na tela com o tabuleiro que era o grande mapa da terra (poderia ser a Terra Média). Em cada dungeon que entrávamos no tabuleiro, era determinado que tipo de aventura iríamos ter na tela, se iríamos descer aos vulcões ou ao mundo de cristal e suas paredes invisíveis, se iríamos enfrentar monstros ou dragões, até mesmo se naquela dungeon iria ter anel ou não. Era um game pra ser jogado por três pessoas, duas assumiam os controles e selecionavam seus personagens – podendo escolher entre o Guerreiro, o Mago, o Homem com o poder de ficar invisível (olha o Tolkien aí de novo!) e o Fantasma, capaz de atravessar as paredes. A terceira pessoa assumia o papel de Dungeon Master, organizando o mapa, as dungeons, podendo inclusive, “possuir” um dos jogadores para atrapalhar a sua busca pelos anéis.

Foi incrível o que eles conseguiram fazer com uma tecnologia tão rudimentar, me apaixonei por este jogo e até hoje o tenho guardado. São 30 anos que o mantenho em casa e até hoje me admiro com a beleza e o capricho que foram empregados nele.

A despedida de um velho amigo

No início dos anos 90 a tecnologia dos consoles já tinha avançado muito, eu já jogava no meu Mega Drive e tinha acabado de ganhar o 3do do meu irmão. Enquanto isso o velho Odyssey permanecia encostado no meu armário e sem funcionar mais. Foi então que minha mãe pediu para doarmos o velho aparelho, com muita dó eu concordei em fazê-lo, porém quis ficar com umas lembranças dele, e mantive comigo o “Em Busca dos Anéis Perdidos” e alguns encartes dos jogos que tinha.

Acervo pessoal do autor

Anos mais tarde, já na segunda metade do ano 2000, resolvi readquirir o console de minha infância, encontrei um perfeito no bendito Mercado Livre e, assim que ele chegou, a primeira coisa que fiz foi testar meu cartucho da label dourada, e para minha alegria ele funcionou como outrora. Foram várias lembranças que vieram ao apertar aquele botão vermelho, ouvir aquele arpejo característico do console e ver as palavras “select game”. Foi a partir daí que resolvi virar colecionador, pois colecioná-los nos permite voltar ao tempo em que tudo era bom, onde juntava meus amigos para uma jogatina, o cheiro do lanche que minha mãe fazia, o bate papo e as brincadeiras infantis. É um sentimento nostálgico bom que, graças a cada um destes consoles, traz de volta ao meu peito as mais tênues lembranças.

Foto de capa: Divulgação

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