A face mais conhecida da fantasia moderna evoca e têm raízes nos longínquos séculos da literatura medieval. Mas se foi esta a base sobre a qual mestres do calibre de Tolkien trabalharam, seria injusto dizer que foi a única, pois o hibridismo é a marca maior deste gênero – e não a mera repaginação de seu antecessor. E foi esta “quimera” literária, com braços e pernas que abraçaram meios comunicativos tão distintos (cinema, games, quadrinhos, séries…), que atraiu e conquistou milhares de entusiastas em todo o mundo.
Este gênero reafirma a sua vocação libertária e mutante a cada novo autor admitido em suas trincheiras. Sim, pois novas referências e realidades vão se tornando disponíveis, sendo estas englobadas sem cerimônia e com o poder de subverter tudo o que já havia sido feito antes. E assim, se o período medievo foi o condão principal, a ele se juntaram elementos do steam punk, da ficção científica, do terror, do romance realista, do épico, das mais diversas mitologias e tradições, tudo isso sem sobressaltos ou assombros, invadindo nichos literários sacralizados com a mesma reverência de um Orc num templo Élfo. Alguém na taverna grite um “Hurra”!!!
Não coincidentemente, também estão sob suas expensas a reabilitação da literatura como um hábito dos mais jovens – plurais e flexíveis que são, tal e qual a fantasia moderna. Apesar disso, por décadas a fio, o gênero se viu desprezado pelo mercado editorial e desdenhado no meio acadêmico – mesmo o próprio Tolkien tendo sido um respeitadíssimo membro deste. Porém, quando o universo dos livros de J. K. Rowling tomou de assalto as livrarias do planeta, não havia mais como impedir a consagração do estilo e o surgimento de um pungente nicho mercadológico na esteira deste. E assim, os excelentes escritores que militaram estoicamente num circuito quase underground de outrora, hoje são objetos de estudo e convidados a palestrarem em universidades do mundo todo.
O fato é que, seja nas sombrias linhas de Neil Gaiman, na magia épica de Robert Jordan ou nas exímias desventuras de Scott Lynch, a fantasia moderna se reinventará e sobreviverá a todos nós. E mesmo após travar batalhas épicas contra adversários que se escondiam nas cavernas do preconceito e da arrogância intelectualóide, ela permanece forte e revigorada, emanando passado e futuro a um século que ainda carece de imaginação.