Jogo videogames desde os 7 anos, quando meu pai chegou em casa segurando uma enorme caixa, e dentro dela havia um Philips Odyssey. A partir desse dia, milhares de portas me foram abertas. Conheci monstros alienígenas, senhores das trevas, duelei com amigos no velho oeste, enfrentei dragões procurando por anéis mágicos, e até explorei minas encantadas com o Didi Mocó.Este foi o novo mundo fantástico que o velho Odyssey me apresentou! Agora, anos depois, como colecionador, tive a oportunidade de ajudar a concretizar um sonho, a criação do Museu do Videogame Potiguar.
Anos 1990: o Museu no mundo das ideias
O embrião do Museu já existia bem antes de eu pensar no colecionismo. Em pleno auge dos anos 1990, no meio do boom das locadoras e dos videogames, 3 amigos apaixonados pelos consoles caseiros se juntaram para dar início a um sonho, a criação de um museu do videogame da cidade de Natal.
Eles eram Glídio Márcio, Ricardo Fox e Carlos Augusto. Fizeram algumas reuniões e definiram como seria o Museu. A partir daí, iniciaram a busca pelas peças, consoles raros e tradicionais. Porém, nessa época, a internet ainda era arcaica, consoles comuns como Master System, Nes, Atari 2600 eram fáceis de conseguir, mas complicado era obter as raridades como Atari Pong, Colecovision, Vectrex ou o Magnavox Odyssey, o primeiro videogame do mundo.
Além disso, a dificuldade financeira foi um revés a mais. O preço para trazer estes consoles era altíssimo (ainda hoje é), então, até a situação melhorar, a solução foi engavetar o projeto até surgir as condições favoráveis de se conseguir um acervo mínimo para o projeto.
Nesse ínterim, outro revés aconteceu. No início do século XXI, faleceu Carlos Augusto, então o projeto parecia que estaria fadado ao esquecimento. Em 2013, mais um golpe, o outro idealizador, Ricardo Fox, faleceu nesse ano. Porém, algo reacendeu a chama e o projeto voltou com uma grande força.
Museu do Videogame Potiguar renasce como uma fênix
Durante esse período de hibernação, Glídio sempre conversava com os amigos sobre o projeto, o sonho que tinha de montar o Museu do Videogame na cidade, até que, já no ano de 2013, ele recebeu uma surpresa. Um grande amigo seu de infância, companheiro de jogatinas, Luciano Mendes, o presenteou com um acervo inteiro. Era pouco para um museu do videogame – cerca de 20 consoles –, mas foi a centelha que reacendeu a chama e despertou a fênix adormecida. O Museu do Videogame de Natal estava vivo novamente.
Dessa vez, era somente Glídio e sua esposa Karina. Os dois criaram a união Potiguar de Gamers e saíram em busca de alguns lojistas e colecionadores para agregar parcerias ao Museu. Dentre os colecionadores, encontraram Alexandre Freitas, que complementou o acervo, dando mais cara de Museu. A Alternativa Games e, mais tarde, a Magic Games (duas lojas tradicionais da cidade), entraram como parceiras do projeto. No ano seguinte, com a cara e a coragem, se prepararam para a primeira exposição, e o projeto finalmente saiu do mundo onírico.
Natal Game Clube: como entrei no Museu do Videogame Potiguar
Em 2014, já ostentava uma pequena coleção, mas já com algumas raridades como o Nintendo Virtual Boy e o 3DO Panasonic FZ 10. Por meio das mídias sociais e de um amigo em comum, Glídio, houve um convite para que participasse da primeira exposição do Museu do Videogame de Natal (ainda tinha esse nome, pois em Mossoró também existia um Museu do Videogame).
Até esta época, eu estava acostumado a dar muitos nãos às oportunidades. Neguei-me a participar de projetos, de bandas – que hoje são grandes na minha cidade –, sempre fechava as portas às oportunidades. Mas, desta vez, disse sim, pois também ostentava o sonho de um dia criar um Museu, e entrar mesmo que de paraquedas neste projeto foi a chance de realizar este sonho.
O convite veio na semana do evento e Glídio não conhecia meu acervo todo, até então tinha visto apenas os consoles mais comuns (Mega Drive, Master System, Super Nintendo) e o Odyssey, que foi o console que havia me pedido para levar. Então perguntei: “Não quer que eu leve os outros, o Virtual Boy e o 3DO? Afinal são consoles raros!”. Acho que ele se espantou, pois logo ele falou: “Homi (linguajar tipicamente nordestino), você tem esses? Então traga!”.
Então, em uma semana, ele providenciou mais 3 tarjetas para os consoles que eu levaria e, com a coleção de 3 colecionadores – Glídio, Alexandre e eu – e cerca de 40 consoles, fizemos a primeira exposição do Museu do Videogame (na época era “de Natal”). Foi um começo pequeno, era um acervo pequeno, mas já com raridades como o primeiro Atari Pong e o Nintendo Virtual Boy. Naquele dia, a semente foi plantada e o Museu já começava a germinar.
Museu do Videogame Potiguar: tornando-se único no Rio Grande do Norte
Até 2014, o Rio Grande do Norte tinha dois Museus do Videogame, um na capital Natal e outro em Mossoró. Porém, em novembro deste mesmo ano, algo terrível aconteceu. O acervo do Museu do Videogame de Mossoró sofreu um grande ataque de cupins, destruindo boa parte do seu acervo.
Frente a inúmeras dificuldades em manter o Museu, como manutenção e mão de obra, esse ataque foi a gota d’água, e o curador de Mossoró, professor Abrahão Lopes, resolveu encerrar em definitivo suas atividades, restando apenas o Museu do Videogame de Natal como único no Estado do Rio Grande do Norte.
Por conta desse fato lamentável, o Museu de Natal, honrando todo o trabalho feito pelo professor Abrahão em Mossoró, assumiu a bandeira do Estado e mudou seu nome para Museu do Videogame Potiguar, começando, a partir daí, a crescer aceleradamente.
Crescimento exponencial: o 3º maior do Nordeste
Ainda em 2014, aconteceu o 2º Natal Game Clube. Nesse evento, o acervo já havia quase duplicado com um pouco mais de 70 consoles. Também foi o escancarar de portas, pois, nele, o organizador de um dos maiores eventos geek do Estado, Daniel Garcia do Yujô Fest, apareceu e se encantou com o projeto. Daniel logo fez o convite para o Museu participar de um evento especial, o Yujô Gamer Level Up – voltado principalmente para os jogos eletrônicos –, que ocorreria no ano seguinte, em novembro de 2015, no Centro de Convenções de Natal.
Nesse espaço de tempo, o Museu do Videogame Potiguar cresceu assustadoramente. Agregando mais alguns colecionadores ao projeto, o seu acervo chega a quase 200 consoles e mais de 1.000 itens entre jogos e acessórios, tornando-se o 3º maior acervo da Região Nordeste (atrás somente de Pernambuco e Bahia).
Novembro chega, o MVP entra em uma das maiores casas de eventos do Estado – O Centro de Convenções – e com o status de grande, afinal, naquele momento, já éramos um dos maiores acervos do Nordeste. Aquele evento necessitou de um trabalho hercúleo de todos da equipe, porque queríamos mostrar o tamanho que o projeto atingiu, toda a estrutura que conseguimos construir em apenas dois anos de vida.
Então, nós, como equipe, levamos o máximo de consoles que podíamos para lá, os mais raros foram – desde o Atari Pong, Coleco Vision, Virtual Boy ao raríssimo PlayStation One (não aquele modelo baby, e sim um monstro gigante da Sony) –, cerca de 100 consoles ficaram para exposição, mais 30 para os visitantes jogarem. Puderam desfrutar ao vivo e a cores consoles como o Tele Jogo, Atari, 3DO e Dreamcast, até o Nintendo Wii.
Após o Yujô Gamer Level Up, o Museu do Videogame passou a ser conhecido e respeitado em todo o Estado e fora dele. Passou a receber vários convites de grandes eventos pelo Nordeste. Em 2016, o Museu participa do Encontro Gamer de Mamanguape, na Paraíba, e também entra nas maiores casas de eventos do Estado como o próprio Arena das Dunas, palco de 4 jogos da Copa do Mundo de 2014, sempre figurando como uma das principais atrações desses eventos.
Videogame marcando vidas
Com certeza os videogames marcaram nossas vidas desde crianças, mas nesse tempo com o Museu do Videogame Potiguar pude presenciar alguns fatos incríveis e vi como os videogames afetam positivamente a vida das pessoas.Um desses fatos ocorreuem Mamanguape – PB, quando estava com o Museu expondo algumas peças no Encontro de Gamers daquela cidade. Todos estavam bastante empolgados com as peças que a gente havia trazido, porém uma pessoa em especial chamou a atenção. Era um garoto deficiente visual, que, mesmo sem poder enxergar, conseguia vivenciar tudo o que ocorria a sua volta, os sons dos jogos, a música da banda que tocava. Podia-se ver em seu sorriso como estava amando aquele ambiente.
Em certo momento, ele se aproximou do estande do Museu do Videogame Potiguar e, talvez por não ter percebido nenhum barulho comum aos outros, perguntou à mãe que estande era aquele. Logo, ela explicou que era o Museu e que ali havia vários videogames antigos em exposição.
Naquela ocasião, a pessoa certa estava atendendo, pois Alexandre Freitas, além de colecionador, também é artista circense, um palhaço (nosso palhaço Canelinha) e, como ninguém mais do grupo soube receber nosso visitante mais que especial, ele logo permitiu que o garoto se aproximasse, passando pela fita de contenção e, um a um, colocando os consoles em suas mãos e explicando o que era cada um deles.
Os olhos do menino irradiavam um brilho, parecia que tinha voltado no tempo ouvindo as histórias de Alexandre, como se pudesse ter ligado cada um daqueles consoles e experimentado tudo o que haviam proporcionado às crianças da época. Foi um momento que nunca será esquecido.
Foi incrível ver aquelas crianças se divertindo com videogames que nunca haviam visto antes, muitas delas sequer conheciam algum, por serem de famílias humildes. São crianças que sofreram alguma violação de direitos e estão lá para se reestruturarem com suas famílias. Todas saíram com um brilho nos olhos e um sorriso radiante. Senti-me muito feliz em proporcionar tamanha alegria a elas e poder fortalecer mais ainda o laço entre elas, suas famílias e todos que as atendem.
Mantendo viva a história dos videogames
Manter um museu do videogame significa manter a própria história viva. Poder contar ao vivo e a cores a evolução daquilo que tanto amamos, o jogar videogames. O Museu do Videogame Potiguar nasceu com essa proposta, manter viva a história daquilo que amamos, não só nos livros, mas no próprio objeto.
Poder tocar e jogar esses consoles é fazer uma viagem no tempo. Temos a oportunidade de pegar o primeiro videogame do mundo – o Magnavox Odyssey – ligar ele e ter a mesma sensação que crianças e adultos tiveram em 1972. E não é só o jogar, é o sentir, o cheirar. Todos eles têm algo de especial e trazem consigo toda a história de vida, tanto dos que vivenciaram sua época como a do próprio console.
Essa é a maior importância do museu, manter viva toda essa história e um dia apresentar para os nossos filhos, nossos netos aquele jogo que passávamos horas para zerar, aquele recorde quebrado até o evoluir do que nossos filhos estarão jogando. Manter um museu e deixar um legado para as próximas gerações dessa arte fantástica que é jogar videogame.
Originalmente publicada no www.gameblast.com.br