Stranger Things – 1ª Temporada (Crítica)

Stranger Things

Em 1982, depois de ter alcançado o sucesso como um diretor inventivo e que levava a fantasia da ficção muito a sério, Steven Spielberg escreveu seu nome na história de vez ao encantar o mundo com a história do alienígena perdido na terra que fazia amizade com um garotinho. E.T. – O Extraterrestre tornou-se um traço cultural que acabou sendo grande influenciador de várias outras obras no decorrer do tempo.

Stranger Things, nova produção da Netflix, pode ser tomada como um grande exemplo do quanto esses traços estilísticos se tornam uma espécie de banco de dados de referências, disponível para acesso conforme as intenções dos realizadores determinam. E “intenção” é uma palavra importante nessa análise, porque produções que se apoiam demais em influências imediatamente reconhecíveis, tendem a despertar desconfiança. De fato, a forma como Stranger Things assume e reverencia sua osmose criativa é o que a salva do lugar-comum e a faz ser tão especial.

Com apenas oito episódios em sua primeira temporada, a série fixa-se nos anos 80 como cenário essencial não só da história que quer contar, mas também como da atmosfera adequada a isso. O mais importante, contudo, não são as roupas, cabelos e aparelhos daquele tempo, mas sim o que aquele período representa culturalmente para a ficção e a fantasia. Inevitavelmente, Spielberg é um nome muito presente na essência da série, que passeia por pitadas de Stephen King, de filmes de horror como A Hora do Pesadelo e de tudo que representa a “existência paralela” dos jogos de RPG.

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Os primeiros trailers de Stranger Things fizeram todo mundo lembrar do longa-metragem Super 8, de J.J. Abrams, que foi também uma grande citação ao trabalho de Spielberg. Os criadores de Stranger Things não negam essa referência que é, claramente, uma espécie de alicerce criativo para o que vai acontecer durante os episódios. Porém, a aparente simples história que se desenrola no primeiro episódio vai ganhando ramificações que controlam o espectador de forma inesperada e nunca o deixam escapar da rede de tensões.

A trama começa quando o pequeno Will (Noah Schnapp) desaparece após mais uma partida de RPG com os amigos Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin). Os quatro garotos já não são mais crianças, mas ainda não adentraram aquela adolescência cínica que mata parte da ligação com o lúdico. Eles se envolvem imensamente no mundo paralelo que criam em cada noite de jogos, por isso os eventos que se seguirão ao desaparecimento de Will exercerão na vida deles aquele papel clássico dos protagonistas de Spielberg: a transição do nerd perdedor para o herói.

Ao mesmo tempo em que Will desaparece, uma menina chamada Eleven (Millie Bobby Brown) foge de uma espécie de laboratório de experimentos e cruza o caminho dos garotos. Ela é o grande elemento que unirá os quatro na luta para encontrarem o amigo desaparecido. Se em E.T. é a própria criatura quem tem os dons sobrenaturais para servir como deus ex machina nas horas de aperto, em Stranger Things o papel se transfere para Eleven, que literalmente salva os meninos de várias enrascadas provocadas por esse imprudente senso de heroísmo, ao mesmo tempo em que é escondida por eles (da mesma forma que Elliot  fazia com seu amigo extraterrestre).

Durante os primeiros episódios, a série leva o público a entender que existem tramas paralelas que só servirão para distrair o espectador a cada virada. Temos o xerife Hopper (David Harbour) com sua melancolia diária, o triângulo amoroso adolescente liderado por Nancy (Natalia Dyer) e até o núcleo do laboratório de pesquisas, protagonizado pelo Dr. Brenner (Matthew Modine). Porém, qualquer impressão de oportunismo vai sendo derrubada durante a evolução da história, quando cada um dos personagens vai sendo empurrado para um envolvimento efetivo na trama principal. Não há desperdício em Stranger Things.

Os Super

Enquanto Mike, Dustin, Lucas e Eleven preenchem a trama com uma mistura deliciosa de inocência, fantasia e ciência; o outro quarteto, formado por Hooper, Nancy, Jonathan e Joyce (Winona Ryder, num surpreende retorno), representa o olhar mais cético na busca pelo garoto desaparecido. Olhar esse que logo começa a ser afetado pelas “coisas estranhas” do título, sendo sempre um transformador inevitável de relação com o mundo. As histórias de Spielberg são absolutamente dedicadas à redenção de seus protagonistas segundo um recorte lúdico ou idealista e Stranger Things não foge disso.

Os elementos de horror das obras de Stephen King, por exemplo, também ajudam a compôr o quadro. Isso vai desde o título dos episódios até o uso do clássico “suspense de criatura” tão típico das histórias do autor. Tudo em Stranger Things é uma referência direta, assumida. Dos filmes citados aos que são transcritos, da fonte usada na logomarca até a trilha sonora incidental. O mais impressionante, contudo, é ver como os criadores, os iniciantes irmãos Duffer Matt e Ross, conseguem juntar tudo isso de modo coeso, elegante e eficiente.

O elenco infantil é o ponto mais forte da série. A impressão é a de que cada um dos meninos foi sugado de um dos “mundos invertidos” onde toda criança tem uma capacidade impressionante de atuar. Basta uma cena e a química entre o quarteto se estabelece completamente. Ainda que Ryder e Harbour sejam atores experientes que dão crédito à produção, está no trabalho de Wolfhard, Matarazzo, McLaughlin e Brown a referência e força mais importantes do enredo, aquela que dá a engrenagem do trabalho dos irmãos Duffer (inspirado em Spielberg): a amizade. Bastam dois episódios e você já torce por aqueles amigos, já ri com eles, já se arrepia com cada citação a Stars Wars e se comove com cada abraço, lágrima ou vitória.

Enfim, nada desse papo todo sobre referência, Spielberg e amizade seria possível sem que Stranger Things tivesse um texto muito cuidadoso que precisaria cruzar citações, teorias científicas, dados reais e supostos que logo em seguida ganhariam concretude diante dos olhos dos personagens. Qualquer mínimo descuido e a série correria o risco de virar um equívoco, uma produção B sem nem ter o fator cult que salva o ruim de ser péssimo. Mas os irmãos Duffer seguraram as rédeas de sua criação e ofereceram à Netflix outra pequena obra-prima, cheia de amor pelo lúdico, pela ficção científica e pelos anos 80, quando o cinema começou a oferecer ao homem o privilégio de ver em cores e sons, a impossibilidade do sonho e da fantasia.

A Análise

Stranger Things 1ª Temporada

5 Pontuação

PRÓS

  • Nostalgia total!
  • Ótima fotografia

CONTRAS

  • Temporada com poucos episódios

Resumo da Análise

  • Nota do crítico: Excelente!
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